quinta-feira, agosto 03, 2017

COMO FOI A MINHA VIDA MILITAR ( 4 parte)

DO GRAFANIL AO BOCUZAU- CABINDA
(1970 –Agosto)


Como consegui obter a informação (a memória de 47 anos atrás….) o “Vera Cruz” atracou no porto de Luanda em 4 de Agosto de 1970, pelas 04:30, mas só começamos a desembarcar pelas 06:30 da manhã.  Mal tivemos tempo de olhar o céu, porque assim que saímos do navio Vera Cruz deram-nos ordem para entrar num comboio de mercadorias que nos havia de levar a este local, o campo militar do Grafanil.
A emoção que então nos percorria era um tanto estranha, cruzam-se nela o medo, a aventura, a curiosidade e o espanto. A sensação que tive foi de alegria, porque a viagem tinha corrido bem, e também de surpresa. Achei aquela terra muito bonita, com o sol e a terra vermelhos, da cor das queimadas.
Na verdade o campo militar em rotação permanente, o Grafanil distinguia-se dos aquartelamentos convencionais, ali ninguém sabia bem quem era quem, uns fardados outros à civil, uma barafunda enorme que proporcionava uns “desenfianços” para a vida boémia que a bela cidade de Luanda oferecia,
Já ouvi muita gente chamar-lhe campo de concentração, na verdade era ali que davam entrada todos os militares que vinham da Metrópole e os que regressavam já depois da comissão cumprida, mas daí a chamar-lhe “campo de concentração” na acepção mais dura da palavra vai alguma distância, pois lá havia cinema ao ar livre, bares ao ar livre onde na sombra de chapéus de palha se degustavam cervejas (cuca e nocal), e até uma igreja havia com o altar embutido num embondeiro. Esta era a porta deste campo, e uma destas casernas era a “suite dos sargentos”. (relembro que para os oficiais a messe era em Luanda).

Lá dentro, no campo do Grafanil,  vivia-se um sentimento de contrastes entre aqueles que chegavam, “maçaricos”, com as fardas “novinhas em folha”, receosos de uma aventura que ali iriam começar, e outros bem descontraídos, as fardas desbotadas e gastas pelo tempo, que em breve despojariam no “puto”. Por vezes cruzavam-se conterrâneos, e ali mesmo se punham as notícias em dia da “santa terrinha”.
Ainda passeámos pela cidade de Luanda, onde ficámos até 18 desse mesmo mês de Agosto, (os primeiros a ir para Cabinda partiram a 8 e 13 de Agosto), tendo “viajado” numa barcaça da Marinha ‘Aríete’, que nos levou num trajecto de mais doze horas em alto-mar rumo a norte, até Cabinda, e depois seguimos um penoso percurso por estradas e picadas até ao Bata Sano, onde ficámos.
Mas, ainda e vou recordar alguns sítios frequentados, em Luanda, pela malta militar. Lá era sempre Verão e por isso algum tempo livre era passado em banhos de mar nas belas praias da Ilha intercalados com umas imperais no bar Barracuda. Na baixa, o Polo Norte, A Portugália, e pouco mais acima o “restaurante a Floresta” eram também locais muito procurados. A cerveja fazia sempre parte da ementa juntamente com o marisco que era bom e barato.
Também é verdade, segundo as minhas memórias só quando  chegámos a Luanda soubemos que íamos para Cabinda, e isto foi motivo de alguma satisfação para nós, que receávamos uma zona ainda mais perigosa. Foi-nos dito que o Enclave era calmo, que a actividade do inimigo era reduzida, mas agora vejo que aquelas palavras correspondiam mais ao desejo de nos tranquilizar do que ao de nos transmitir a mais nua e crua verdade. Até porque chegou ao nosso conhecimento, nas vésperas de partirmos para Cabinda, que nesse dia (17 de Agosto de 1970), havia sido ferido com gravidade um militar da companhia 2739, que accionara uma mina antipessoal.

 A lancha da marinha Ariete (O NRP Aríete foi incorporado no efectivo dos navios da Armada em 9 de Julho de 1965. Deu apoio logístico em toda a costa angolana durante cerca de 9 ano) transportou um terço do Batalhão de cada vez, sendo as Companhias fraccionadas para se permitir uma sobreposição com as subunidades que íamos render. Pusemos as nossas malas e sacos de bagagem na coberta da lancha, que os marinheiros taparam com oleados, e aguardamos a chegada ao nosso destino. Ainda dormimos uma noite na embarcação, sem condições para o transporte de tropa, por onde calhou. A maioria das praças ficou-se por debaixo dos oleados. Revelando grande espírito de sacrifício não esboçaram qualquer protesto. Valeu que ali não fazia frio… à excepção daqueles que iam abaixo do nível das águas, tendo como “colchão” o revestimento férreo da lancha e o céu estrelado como “telhado”, nunca “raparam” tanto frio. Para amenizar esse “conforto”, cada um deles tentava, por todos os meios, “enroscar-se” no meio dos outros.

Saídos no porto de Cabinda, seguimos para o Bata Sano, a estrada já era asfaltada, até ao DINGE, a viagem até aí fez-se sem grandes sobressaltos, mas a partir daí durante o trajecto deu para experimentar a estranheza da paisagem que nos ia acolher durante dois anos, se lá chegássemos. (Todos ainda nos lembramos, dos capacetes metálicos que nos deram, e que depois desse dia, nunca mais vimos, e que a certa altura, devido ao calor e ao olhar para aquele arvoredo que tapava a “picada” por onde as camionetas caminhavam, retirei da cabeça ao “pensar: se for atacado isto só atrapalha!!!.

As horas de chegada variaram, houve quem chegasse de madrugada. O itinerário seria relativamente seguro, mas para nós era como se já estivéssemos em plena guerra. Havia sempre o receio de nesse dia sermos emboscados e, a sermos, não seríamos os primeiros. Éramos na gíria “maçaricos”, militares sem experiência de combate, e o inimigo gostava de testar tropa deste calibre, na esperança de que, com meia dúzia de tiros nos matássemos uns aos outros. Mas felizmente não houve problemas. Pelo caminho, e mesmo no Bata Sano, por vezes a tropa “velhinha” era por demais exuberante na sua alegria de deixar aquele território, gritando em altos brados: “Maçaricos!”, “Maçaricos!”, “Maçaricos!”. Certa vez, o nosso major Alcobia, oficial de operações do Batalhão e pessoa já de certa idade, saiu mesmo da viatura e gritou para os “velhinhos” que nos invectivavam: “Ó pá, achas-me com cara de maçarico?!”. Eles calaram-se, respeitando a sua idade e o seu passado militar, já com outras comissões no corpo.
O quartel do Bata Sano era constituído por um conjunto de edifícios da antiga sede administrativa que, mais tarde, se deslocou lá para baixo para o Buco-Zau, atravessado pela estrada que levava ao Belize num meandro do rio Luáli.   Estávamos na estação do cacimbo, bastante seca, em que nas picadas se levantavam grandes nuvens de pó à passagem das viaturas. (Foi aqui que estivemos entre 19 de Agosto de 1970 a 17 de Agosto de 1972)
(Base de consulta “Pongo- número especial do Batalhão de Caçadores 2919)


COMO FOI A MINHA VIDA MILITAR (3 parte)

A VIAGEM PARA LUANDA NO “VERA CRUZ”

Não custa muito, nos dias que correm, ainda com tantas memórias a passarem pelo “ecrã das recordações”, escrever umas linhas sobre a viagem do BCAC2919 no então paquete Vera Cruz, transformado em navio de transporte de tropas e iniciada a 25 de Julho de 1970, com o seu término em Luanda, ao romper da aurora do dia 4 de Agosto de 1970.
Depois do desfile pelos cais dessa Lisboa, cantados em tantos fados, calhou aos militares terem o seu fado, o seu fadário por terras de Angola, sem nada saberem do seu futuro. Saboreiam apenas que aquele seria incerto e que o regresso ao passado poderia não ser esse futuro. Para alguns camaradas tal veio a acontecer.
Quem vai para a guerra, vive a esperança e a incerteza. Na esperança de que nada lhe aconteça e que a roleta da guerra não pare sobre cada um em mau momento. Na incerteza, de igual modo e pelos mesmos motivos, pois ambas andam sempre e a todo o momento de mãos dadas.
Embarcámos em Lisboa em 25 de Julho de 1970, pelas 10 da manhã, uma hora bem escolhida, pois com os atrasos fez-se meio-dia e, estando já pronta a refeição no navio, tivemos que ir almoçar – alguém nos chamou, – diminuindo com isso o número de militares no convés e o clamor das despedidas junto do cais, a evitar, embora nesta altura ele já tivesse perdido grande parte do seu dramatismo: a visão apavorante dos primeiros tempos da guerra. Mesmo assim, alguns militares ainda tiveram ali os seus familiares num último adeus. O navio fez soar a sirene, grave e autoritária, ia partir. Alguns choros se apossaram das mães, esposas e noivas que ali se deslocaram, vindo dos mais diversos pontos do país. Houve acenos de lenços, brados de últimas despedidas. E o navio lá seguiu, indiferente àquele clamor e mesmo à beleza luminosa das colinas da cidade de Lisboa. Passou por debaixo da ponte, reduzindo a um minúsculo pináculo a igreja de Santa Engrácia, depois apequenou a Torre de Belém, saindo à barra do Tejo, nesse dia transformado, para muitos, num vale de lágrimas. Pouco depois só se erguia cá atrás a bruma, que era a Serra de Sintra, o último testemunho do Portugal metropolitano e, por fim, mergulhámos no oceano infinito, rumo ao desconhecido. Éramos cerca de 3000 militares, tivemos uma viagem maravilhosa chegamos a Luanda no dia 4 de Agosto, . A lotação do navio era de 1.242 passageiros, mas quando transportava tropas a lotação era largamente excedida.
No “Vera Cruz” fomos tratados com a dignidade de passageiros civis, fazendo uso dos luxos e requintes de que o navio desfrutava, que incluía entre outros: piscina, cinema e sala de jogos. Os oficiais ocuparam a 1.ª classe, os sargentos a 2.ª e as praças a 3.ª ou arremedos disso, pois grande parte dos soldados dormia nos porões, em beliches improvisados para aquelas viagens, escuros, sem as mais elementares condições de conforto. Além disso, tinham que gramar com o ruído incomodativo da casa das máquinas. Valia-lhes que podiam vir até ao convés apanhar ar fresco e observar o mar, que era igual para todos, e às vezes proporcionava surpresas agradáveis, com peixes voadores a perseguirem o navio, e outros maiores a virem à superfície da água fazer um giro ao horizonte. Alguns militares enjoaram e passaram por maus momentos, mesmo indo na 1.ª classe, contudo, em geral, todos apreciaram a viagem.
A oficialidade ocupava belas suites, sendo-lhe destinado um restaurante de luxo, onde eram servidas refeições opíparas, com pratos cheios de enfeites rebuscados, ao gosto da burguesia. Lembro-me de um que vinha com um artístico moinho à vela, ostentando desfraldadas velas brancas, que servia só de adorno, não era para comer, claro. Os sargentos também não tinham razão de queixa, e neste aspecto, nem sequer as praças, embora tivessem de comer por mesas: saíam uns e entravam outros. Este verdadeiro cruzeiro aos Mares do Sul só foi mesmo afectado, dia 27 Junho, pela morte de Oliveira Salazar, já que durante o luto por ele decretado, as salas de recreação fecharam, mas perante os nossos protestos abriram. Nesses dias a viagem tornou-se mais monótona. À noite éramos frequentemente atormentados com o espectro da zona militar que iríamos ocupar, dos perigos que nos espreitariam.

Vendiam-se a bordo máquinas fotográficas, de filmar e projectar, canetas de marcas prestigiadas, rádios, relógios e outros objectos importados, fugidos aos impostos alfandegários, naquele tempo, muito elevados, que alguns aproveitaram para comprar a baixos preços.

O elemento feminino rareava, mas ainda havia umas tantas mulheres integradas na tripulação a humanizar o paquete e, é curioso, que à passagem pelo equador foi dito, e até nos pareceu que se tinham tornado mais atraentes: os nossos olhos se vidravam nelas.

O navio aportou em S. Tomé e Príncipe para largar alguns passageiros, mas ficou longe da costa, deixando-nos ver a montanha escura de bruma e mistério que era a ilha naquele dia.
O “Vera Cruz” atracou no porto de Luanda em 4 de Agosto de 1970, pelas 04:30, mas só começamos a desembarcar pelas 06:30 da manhã. Seguimos de viatura até ao Campo Militar do Grafanil, no Norte da cidade, e ali mesmo, voltámos a desfilar em continência, perante Sua Ex.ª o general Oliveira e Sousa, comandante da Região Militar de Angola. Ainda passeámos os nossos camuflados pela cidade de Luanda, onde ficámos até 8 desse mesmo mês de Julho, data a partir da qual iniciamos a nossa viagem para Cabinda, que se estendeu por mais duas “levas”, a 13 e 18 desse mesmo mês, na lancha Aríete da Marinha Portuguesa. A emoção que então nos percorria era um tanto estranha, cruzam-se nela o medo, a aventura, a curiosidade e o espanto.”

 Paquete Vera Cruz — 1952 Tonelagem: 21.765t Comprimento: 185,8m Motorização: 2 pares de turbinas Velocidade máxima: 23 nós Lotação: 1 242 passageiros Custo de construção: 203.5 mil euros Anos de serviço: 1952-1973 Construído nos estaleiros Co-ckerill, Bélgica, foi lançado à água a 2 de Junho de 1951 e entregue à CCN a 23 de Fevereiro de 1952. Deixou Antuérpia a 28, estava o Santa Maria em fase de construção, chegando a Lisboa a 2 de Março. Impressionou de imediato, por ser o primeiro paquete português digno desse nome e pelo contraste com os navios mistos nacionais para passageiros e carga. De linhas fluidas e muito modernas, mostrava-se avançado para a época. O interior, luxuoso e confortável, era formal e sem grande profusão cromática. Pintado com as cores da CCN – casco cinzento esverdeado e chaminé amarela com faixa horizontal branca rematada por faixas verdes – foi visitado pelas mais altas individualidades. Na viagem inaugural com escala no Rio de Janeiro, Santos, Buenos Aires e Montevideu – que decorre a 20 de Março –, transportou a bordo Gago Coutinho que, com Sacadura Cabral, ligou Lisboa e Rio de Janeiro na primeira travessia aérea do Atlântico Sul, corria o ano de 1922. Com duas décadas no activo e inúmeras viagens efectuadas à América do Sul e América Central, o Vera Cruz foi vendido a sucateiros da Formosa e deixou Lisboa no dia 4 de Março de 1973. Um triste fim para o primeiro paquete português, considerado por muitos como um dos mais belos navios nacionais dos anos 50.


COMO FOI A MINHA VIDA MILITAR (Parte 2)

IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Militar) em Santa Margarida (1970) até ao embarque no “Vera Cruz”.


Já em Santa Margarida, tive que explicar que não “era nenhum fugitivo” – repetindo várias vezes a história, omitindo a parte do COM, claro está!.
Eis a razão por que “passei apenas uma semana em Santa Margarida”, pois na noite de
Sexta feira 24 de Julho de 1970, partimos para a estação de caminho de ferro, fizemos a viagem, sem parar até ao local de embarque na “Rocha de Conde de Óbidos em Alcântara - Lisboa”, onde embarcámos no navio “Vera Cruz”, antes do meio dia de Sábado 25 Julho de 1970. E, talvez a partir daqui tenha deixado de pensar na “probabilidade de ter que repetir a tropa”! Nunca cheguei a saber se o referido capitão apresentou ou não a respectiva queixa!!!

 “Nada acontece por acaso, cada pessoa é dona do seu próprio destino...” será mesmo assim?

A chegada àquele campo militar trouxe um pouco de comoção. Os meus camaradas desdobravam-se a contarem as suas experiências do IAO. Porém, não foi o retracto da instrução o que mais mexeu comigo. A grande notícia no campo militar, talvez fosse a deserção  de alguns militares no ultimo fim de semana!!

De acordo com “História do Batalhão de Caçadores 2919” compilado por David Martelo, (então capitão, ex-comandante da CCaç2738), o Batalhão de Caçadores 2919 e as respectivas companhias CCS- Companhia de Comando e Serviços, CCaç2738 , CCaç 2739 e CCaç 2740 (Companhias de Caçadores) isto é as unidades operacionais,  teve como unidade mobilizadora o Regimento de Infantaria nº 2 (RI2), aquartelamento situado na cidade de Abrantes, sendo que, o seu “nascimento” se situa no dia 25 de Maio de 1970, isto é o Batalhão 2919 e as suas subunidades começaram de facto, neste dia, a sua   existência ao deslocarem-se para o então Campo de Instrução Militar de Santa Margarida (CIM), onde se iria realizar a Instrução de Aperfeiçoamento Profissional (IAO). No dia seguinte à sua chegada deu-se início a uma Escola Preparatória de Quadros (EPQ), destinado aos graduados que iam tomar parte nesta fase da instrução. Por aqueles dias foram-se também juntando os especialistas, os homens de transmissões, os condutores, os cozinheiros, os escriturários, vindos de outras unidades, que depois iriam integrar essa formação de Instrução de Aperfeiçoamento Operacional (IAO) que era ministrada às unidades mobilizadas e durava três semanas consecutivas.

 O IAO não teve, em mim, quaisquer proveitos práticos. Porque cheguei mais tarde, e porque no pouco tempo que estive em Santa Margarida, apenas uma semana não me apercebi de nada ser diferente daquilo que já se fazia.  Passava-se o tempo em exercícios de ginástica e ordem unida, treinos de penetração, progressão, patrulhamentos, emboscadas, e pouco mais. O mais importante, para mim, foi a manutenção do poder físico e da disciplina militar, e a história da ida ao dentista, em que o mesmo me “chumbou um dente” a frio, chumbo que passados poucos dias, já em alto mar tive que arrancar pelas dores que me provocava.
Para além da respectiva foto, que tirei com todo o “ar de militar aprumado” não tinha qualquer enquadramento militar, assim “ofereci-me”, durante dois ou três dias, para “fazer companhia ao Virgílio Conceição”, que comandava uma das secções do Pelotão de Reconhecimento. E, lá íamos com os soldados, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Santa Margarida, local onde se deu a organização do Batalhão, treinar as situações de: patrulhamento, reacções a emboscadas, emboscadas, golpes de mão, batidas de zona, cercos e treino de tiro, na tentativa de preparar os militares o melhor possível para uma realidade de guerra que se nos iria deparar. (a melhor recordação destes tempos foi o de que apenas distribuímos metade das balas aos soldados e com as restantes “fazíamos carreiros como as formigas e depois atiçávamos o fogo”! ou ainda aquela dos dilagramas  que  era um dispositivo que, conjuntamente com a granada de mão defensiva M/63, ao qual era fixado, aplicado na espingarda automática G3, permitia-nos obter alcances superiores aos conseguidos pelo arremesso manual da granada, reduzindo os riscos  na sua utilização. Pois é, mas o Conceição queria fazer “candeeiros de mesa” com o dilagrama e então deixava-se a granada “larga”, para fazer a mesma  cair do dilagrama sem rebentar, para o dilagrama ficar inteiro – riscos corridos por jovens que ainda não tinham bem a noção disso!!!)  

 “Terminada a organização do Batalhão, que tenho orgulho de comandar, dirijo a oficiais, sargentos e praças as minhas saudações, completamente confiante que todos estarão já bem compenetrados desta hora de começar, da importância de um perfeito e total aproveitamento do curto período inicial da sua preparação, para o futuro da sagrada missão de soberania, no território Pátrio do Ultramar. Desejo acentuar, que quanto mais duro e esforçado for o trabalho de cada um nesta primeira fase da vida da Unidade, quer seja Comandante de Companhia, de Grupo de Combate, de Secção, ou de Equipa, seja simples Soldado Atirador – mais fáceis mais tarde, se tornarão, sem sombra de dúvida, as suas actividades em defesa das populações, nas acções punitivas contra os bandos de adversários, como em contrapartida, aumentadas serão as probabilidades de êxito, e diminuídos, substancialmente, os nossos riscos e vulnerabilidades, face aos ataques traiçoeiros dos mesmos adversários. Por ter observado já a entusiástica actuação de muitos, ao longo de toda a Instrução Especial, haver constatado a convicção no tratamento das boas normas de Disciplina, e um forte ideal em todos os que comando – é orgulhosamente que assumo o Comando que me é confiado, mesmo que avaliando e pressentindo bem o tremendo peso das responsabilidades dele resultantes.” (discurso ao Batalhão, pelo comandante tenente-coronel de infantaria Álvaro Quintino, no dia 1 de Julho de 1970 em Santa Margarida – in “Historia do Batalhão de Caçadores 2919” autoria de David Martelo ( ex-comandante da CCaç 2738)

 Todos os milicianos, oficiais, sargentos e praças, a quem lhes tinha sido incutida a ideia de um Portugal que ia do Minho a Timor, estavam a tomar parte nesta comissão de serviço para o Ultramar, em geral, não muito entusiasmados, antes apreensivos, empurrados pelo sistema. Os graduados já sabiam que iam ser mobilizados para Angola, e as praças, ainda que não estivessem mobilizadas, encaravam esta eventualidade como a mais provável. Só não faziam ideia onde iriam parar – ninguém sabia! Por essa altura receava-se muito a ida para o “Leste”, onde se constava que as Nossas Tropas (NT) estariam a sofrer baixas consideráveis. Durante muitas noites, cada um nos seus silêncios imaginava o pior desta comissão, que era o de vir a ser morto ou ficar estropiado. Todos já tinham ouvido histórias sinistras de ex-combatentes, muitas vezes empoladas. Houve até quem se suicidasse só de as ouvir. E, alguns, assistiram mesmo a funerais de militares falecidos no Ultramar, tendo tido oportunidade de ouvir as mães, as esposas e as noivas em pranto junto das urnas e depois ouvirem a salva de tiros da guarda de honra, quando o caixão descia à terra, que era mais um motivo para uns tantos, e sobretudo umas tantas, se alvoraçarem num último choro, às vezes misturado com desmaios. Mas era melhor nem pensar nisso naquele momento, sem hesitações, calando os nossos medos, ali estávamos para continuar Portugal. E íamos partir, não porque estivéssemos muito certos daquela política, não porque estivéssemos de acordo com o regime, mas porque o sistema, a estrutura, o peso de um Portugal descobridor com mais de quinhentos anos de história, ainda pesava muito nas nossas consciências e, também, porque não dizê-lo, pela repressão então reinante, porque não estávamos habituados a pôr as coisas em questão. Muitos, com problemas particulares, aventuraram-se à emigração clandestina, e por lá ficaram na situação de desertores, mas nós íamos partir.

No dia da partida para o embarque recebi as divisas de furriel.  E, talvez tenha pensado que o espectro de ter que repetir o serviço militar estava ultrapassado!! Nunca mais pensei nisso….até 1973, conforme referi anteriormente.

COMO FOI A MINHA VIDA MILITAR (1 parte)

COMO FUI PARAR Á TROPA?
 DE SANTARÉM A SANTA MARGARIDA
 (14 de Julho de  1969 a 16 Julho de 1970)

Muitas das circunstâncias da vida são criadas por três escolhas básicas: as disciplinas que você decide manter, as pessoas com quem você decide estar; e, as leis que você decide obedecer.” (Charles Millhuff)


No dia 21 de Junho de 1968 fui às “sortes” - No início do século XX começou a era do serviço militar obrigatório que viria a prolongar-se por cerca de um século. Os rapazes tinham que “ir às sortes” logo que completassem os 18 anos de idade. “Ir às sortes” como se dizia na época, era ser chamado para a inspecção militar. Boa sorte se ficasse livre, má sorte se fosse apurado.
Era a tropa! Dizia-se que era lá que os rapazes se faziam homens!
Ir às “sortes” representava ultrapassar a fase de rapazola para homem feito e pronto para a vida, pronto até para ir para a guerra.
A vida era interrompida por dois, três e até quatro anos, e nesse período os rapazes eram confrontados com experiências que iam desde longas deslocações para os quartéis em terras distantes, viagens para o Ultramar, participação na guerra colonial, ou  o que lhe calhasse em sorte.
Assim, no dia marcado na Junta de Freguesia de Almeirim lá fui “tirar as sortes”, perante a chamada “junta de recrutamento”, tendo ficado “apurado para todo o serviço”, não com 18 anos, mas já com 20 anos, pois nessa altura andava a estudar no Instituto Comercial de Lisboa, acabava de fazer o 1º ano. A partir desse dia, nunca mais liguei a esse facto – andava a estudar, tinha aproveitamento escolar, logo tinha era que tirar o curso – licenciatura em Ciências Económicas e Financeiras, e depois logo se via, quando ia cumprir o serviço militar – puro engano!
Por razões que nunca foram bem explicadas, nem por mim compreendidas, na semana em que um acontecimento que empolgou milhões de pessoas, em todo o Mundo , dia 16 de Julho de 1969 , foi transmitido pela televisão a chegada do Homem à Lua – hoje tal facto levanta dúvidas quanto à sua veracidade – encontrava-me a estudar em Lisboa no Instituto Comercial de Lisboa, (2ºano) em plena época de exames, após ter concluído as respectivas frequências do 2º semestre, e fui convocado para cumprir o serviço militar obrigatório. (Só bastantes anos depois tive uma explicação para este acontecimento, não esperado dado a tradição escolar que então vigorava. De facto, nessa altura integrava a Associação Académica, na secção desportiva e, talvez por isso,  
devido crise estudantil de 1969 que provocou a demissão do ministro da Educação, a mudança de reitor e o envio dos “estudantes mal comportados” para a guerra colonial- na verdade estive e estava a “milhas” da intervenção politica estudantil, muito acesa naquela altura). Isto é porque pertencia à Associação de Estudantes logo era “considerado um estudante mal comportado!” Sempre pensei que as lutas estudantis eram motivadas, naquela época, principalmente, por um “gozo imenso” de “desobedecer à autoridade de então”…mas afinal parece que não era bem assim.

Assim no dia 12 de Julho (sábado) de 1969 fui passar o fim de semana a casa dos meus pais.  Ao chegar, e apear-me “da carreira da Ribatejana”,  tinha à espera o meu irmão, com um postal na mão, a convocar-me para me apresentar no quartel militar de Santarém, na segunda –feira ( 14 de Julho), tendo sido recrutado para frequentar o CSM “ 1º ciclo do curso de sargentos milicianos” – surpreendido, pois nunca mais tinha pensado nisso, já que que estudava, julgava  estava dispensado até acabar o curso, desde que tivesse aproveitamento, (era o que eu pensava) lá me apresentei nessa segunda-feira, acompanhado pelo meu pai – que fez questão de ir pois nessa altura muitos jovens “desapareciam” (nunca tal me passou pela cabeça) - onde fui encontrar outros amigos, alguns que já não via há algum tempo, nomeadamente os dois ou três que jogaram comigo nas camadas jovens dos “Leões de Santarém”. Na verdade ainda meio “zonzo” por não saber bem o que estava ali a fazer!
Ali, encontrei mais alguns na mesma situação, tendo sido informado que, “bastava no fim dessa semana apresentar as novas “habilitações literárias” e passaria para o COM (Curso de Oficiais Milicianos), só que esse era em Mafra! Aí, pensei que entre Santarém, onde estava mais ou menos em casa, pois conhecia e era conhecido por muita gente, para além de ter sido jogador de futebol, estudei e vivi em Santarém 6 anos, e ir para Mafra, onde não sabia o que ia encontrar, optei por “deixar passar as coisas”, depois logo se via, já que no fim deste período de instrução militar poderia então apresentar as habilitações literárias.
E, por ali fiquei até finais de Setembro recordando os episódios desses tempos pouco ou nada resta, a não ser a “pressão psicológica” exercida diariamente, talvez necessária para enquadrar os “espíritos comportamentais dos jovens” e  “ a exigência do trabalho físico até aos limites”, na verdade tudo passei porque tinha apenas em mente um objectivo que sempre me acompanhou durante todo o tempo em que cumpri o serviço militar – retomar os estudos e concluir a licenciatura em ciências económicas e financeiras.
Mas, posso “rememorizar” alguma situações comuns a todos que nessa altura tinham que cumprir, esta primeira fase do serviço militar obrigatório na Escola Prática de Cavalaria em Santarém, começando e dado tratar-se de um “curso de CSM considerado excepcional” fomos colocados no antigo aquartelamento conhecido com “Regimento Artilharia 6”, que nessa altura já não funcionava em Santarém e assim as instalações serviço de “anexo” à Escola Prática de Cavalaria. Também me lembro das idas para a “zona das Caneiras” – não para comer fataça na Telha – mas para exercícios militares, desde andar “por dentro de manilhas”, “salto no escuro” etc.
Relembro ainda aquela “nocturna” e se bem me lembro estava muito frio e chuva  , podem imaginar o quanto devemos ter sofrido; também sem qualquer bússola para ajudar-nos na orientação até ao quartel, o que só dificultava as coisas. No entanto, como só possuíamos um mapa, e dois ou três éramos conhecedores do terreno, lá fomos pondo em prática o lema "safem-se como puder"- e assim, estivemos quase toda a noite, escondidos numa adega no Pombalinho, onde nos foi dado de comer “chouriça assada e pão caseiro” , até que decidimos o regresso ao quartel, em Santarém, que foi cansativo, molhado e frio mas serviu para nos habituar a situações futuras da mesma ordem.
Até que, numa dada manhã nos finais de Setembro, reunidos na parada militar, na conclusão dessa fase de “instrução militar”, foi feita a “distribuição de cada um” pelas mais diversas especialidades militares, tendo me “calhado” a continuação no CSM – curso de sargentos milicianos na “na especialidade de alimentação” na companhia de administração militar na Póvoa de Varzim! Ora isso para mim ficava muito longe, e eu tinha intenção de voltar para Lisboa.
E, assim dirige-me à secretaria para “comunicar a minha intenção de passar para o COM (curso de oficiais milicianos)” que , de acordo com o que eu pensava, se situava na então “ Escola de Administração Militar” em Lisboa. E, lá fui. Ao entrar e apresentar-me de acordo com os “tramites militares” o “idoso capitão” que estava por detrás da secretária olhou para mim e nem sequer me deixou “falar” – “oh rapaz vá lá dar uma volta à parada para limpares essas ideias e depois volta cá!”.
E, eu lá voltei para trás, mentalmente “vocirando qualquer coisa não inteligível nos nossos dias”, mas acima de tudo com aquela duvida – como é que ele sobe o que eu iria dizer? – até hoje nunca tive resposta. E eu lá fui dar a tal volta “à parada” – o que é que eu ando aqui a fazer? – e nestes pensamentos encontro um amigo de longa data, hoje já falecido, que  me diz – “eh pá sabes que a malta que vai passar para o COM, vai ali para a Escola Prática formar um Batalhão que vai para a Guiné!
Naquela altura “imagine-se que jovens que, com vinte anos, iam para a guerra e, ou eram mortos, ou tinham de matar”…. E a Guiné representava o pior dos piores cenários possíveis! Pois …mas a minha intenção era ir para a especialidade de administração militar (COM-reabastecimentos) e para Lisboa!!!
E, acabei a minha volta à parada, dirigi-me à secretaria, cumpri as exigências de apresentação militar e informei que estava ali para levantar a “minha guia de marcha para ir para a Povoa de Varzim” …. Na verdade nunca cheguei a saber para onde ia se tivesse pedido a alteração das minhas habilitações literárias.  E, em 26 de Setembro de 1969, de comboio, lá fui até à Povoa de Varzim, onde cheguei à noite, cumprindo a “minha formação na especialidade de alimentação no CSM”, até 5 de Janeiro de 1970, período de tempo que ”nada de especial ficou ma minha memória a não ser “ a interrupção da semana de campo devido ao frio”
Assim em 5 de Janeiro de 1970   fui colocado, após terminar esta fase e promovido a “cabo miliciano”,  na Companhia de Artilharia de Costa, em Oeiras, indo para a secção de Alcabideche, ali mesmo junto à serra de Sintra. (Neste aquartelamento de Oeiras, cumpriram serviço militar o meu avô, materno, e o meu pai).
Assim, “achei que foi o destino que me pôs no mesmo local”, que o meu avô e o meu pai. Estava perto de Lisboa, levava uma “vida santa”, num pequeno aquartelamento, com muita pouca gente, e lá fui passando o tempo.
Até que um “belo dia” do mês de Julho de 1970, após o almoço, sou interpelando pelo capitão comandante daquele “aquartelamento” que, muito raramente lá ia, mais ou menos assim – “Oh Bento o que é que estás aqui a fazer?”– E, quando eu começava a responder, mais ou menos o que se fazia ali, ele emendou e reafirmou – “Não é isso que eu quero dizer, com as tuas habilitações estás errado aqui! Tenho que comunicar ao Comando!” Estou lixado! Vou ter repetir a especialidade e vou, de certeza bater com os “ditos cujos” na Guiné! “ Porra p´ra isto” – devo ter dito ou pensado tudo isto nesta altura!!!
Para combater o “stresse” desta situação, disse a um militar (soldado condutor) para ir buscar um jeep, e irmos até Cascais, fazer “uma ronda de policia de unidade”. Posemos o respectivo braçal de PU e lá fomos, nessa tarde, até à estação de Cascais!
Estávamos nós nesse “divertimento” de ver passar o pessoal que ia e vinha de comboio, quando de repente surge o meu amigo Ramiro, que tinha estado comigo na Póvoa de Varzim. Conversa puxa conversa, lá me disse que estava de “férias antes de embarcar para Angola” e de repente – Oh Bento mas tu também estás mobilizado! Estás aqui…já está considerado como refractário! Isto é, não me tinha apresentado na minha unidade mobilizadora para o Ultramar. Mas, como me podia ter apresentado se nada sabia? De qualquer modo era uma oportunidade para me “tentar safar à queixa que de certeza o capitão ia apresentar”!!!!
Naquelas alturas muitos portugueses em idade militar não fizeram a guerra, sendo forma escolhida por muitos a falta à inspecção (faltosos), que chegou a atingir 20 por cento do contingente. Esta alternativa implicava ou a saída do País ou a clandestinidade. Alguns preferiram a deserção (fuga ao serviço depois da incorporação), embora, de facto, este número nunca fosse significativo, e outros ainda, por várias circunstâncias, acabaram por não ser incluídos nas listas de mobilizados, portanto certamente eu estaria incluído numa dessas situações.

Mas na realidade nada disto tinha acontecido comigo! (a minha salvação foi um clip!!!) pois eu já havia sido “ transferido para o Regimento de Infantaria 2”, em Abrantes, desde 5 de  Janeiro de 1970, só que, ainda hoje não sei – nem sequer tentei saber – porque fui para a Oeiras (Alcabideche), e durante todos aqueles meses, ninguém deu pela “minha falta em Abrantes”!. Mas, passo a contar o resto da história: Fui imediatamente para Oeiras (quartel militar) dirige-me à secretaria geral – onde um capitão idoso me atendeu – e me começou por dizer “isso é brincadeira do teu camara! Mas, oh  meu capitão, é melhor dar uma vista de olhos a esse monte de papeis! E ele muito a contragosto lá foi passando os papeis… até que, por detrás dum outro papel e preso por um clip, lá estava a minha mobilização para o Ultramar (Angola)!! A  partir do Regimento de Infantaria 2, em Abrantes.
“Não há qualquer problema” – diz o capitão. Vou passar a guia de marcha para Abrantes (Regimento de Infantaria – unidade mobilizadora), e amanha de manhazinha um jeep vai lá levar-te. E assim foi. Cheguei antes de almoço a Abrantes, almocei e depois do almoço apresentei-me na secretaria. Aí fui informado que o meu Batalhão há muito já havia partido para Santa Margarida e só porque “houve um atraso no embarque ainda lá estão!”

Na verdade eu cheguei mais tarde a Santa Margarida! No dia 16 de Julho de 1970, por obra do acaso - talvez me tenha safado da Guiné, pela segunda vez e de repetir a especialidade – pensava eu! E, assim foi …esta história do COM acompanhou sempre durante todo o serviço militar, até mesmo despois de ter cumprido esse período, já em 1973 recebi um postal do Regimento de Abrantes, para me deslocar lá “para assunto do meu interesse” – nunca cheguei a saber, pois nunca lá fui!