“PERCEBEMOS MESMO O QUE SE
PASSOU OU PREFERIMOS VOLTAR AO PASSADO?”(Presidente da
República, discurso de 10 Junho de 2020)
“Uma crise séria nunca deve ser desperdiçada, elas são uma oportunidade
para fazer as coisas que antes
pensávamos que não conseguiríamos fazer”. (Rahm Emannuel
–chefe gabinete Obama). Talvez por isso o presidente da Republica Dr. Marcelo
Rebelo de Sousa, no seu discurso do dia 10 de Junho de 2020, tenha questionado
se “percebemos mesmo o que se passou e se passa, ou, apesar de concordarmos
com os desafios destes tempos, preferimos voltar ao passado naquilo em que ele
já não serve ou já não é suficiente?” É muito provável que muitos de nós
que nestes tempos que não são os nossos, somos levados a pensar que esta “crise
viral” tem tudo a ver com “estes tempos”, sentimo-nos como “enlatados” e até
furiosos, como num engarrafamento de trânsito em hora de ponta, procuramos uma
escapatória à nossa volta e não vemos nada. Há uns dias li esta prece, num
qualquer livro, e que nestes dias me vem por vezes ao pensamento. “Ensina-nos
a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios. “ (salmo
90:12). Talvez a causa próxima, nestes tempos de confinamento epidémico
seja, na verdade porque não fazemos outra coisa que não seja contar: os dias,
as horas e até os minutos, mas também somos, a todo o momento, quer nas tvs ou
na imprensa, bombardeados com os mortos, infectados, contamos os curados, os
internados, os resultados dos testes em falta, as faltas à escola, e tanta
coisa mais, e o que queríamos ouvir ou ler quantos dias faltam para voltarmos
“à nossa normalidade”? Normalidade que foi suspensa e não sabemos por quanto
tempo. Sonhamos que a contagem dos dias
acabem, queremos alcançar um “coração sábio” que nos diga ou garanta que todo
este sofrimento não seja em vão! “Nenhum homem é uma ilha isolada.” Uma
frase de John Donne que, nestes tempos em que tantas vidas se perderam, podem
ajudar-nos a recordar qual o real sentido da palavra “comunidade”, que de
súbito nos assalta perante o “sentimento de medo”, que nos leva o olhar uns
para os outros, o que antes muitas vezes nos era indiferente, mas agora, nestes
tempos vemo-nos reflectidos como num espelho, porque vemos nele o que verdadeiramente
importa: viver a vida, pois esta “é uma valor sem variações” (cardeal Tolentino
de Mendonça)
Na
realidade com tudo isto não é o tempo para “brincadeiras” e temos de ter plena
consciência se nada fizermos o nosso futuro será muito sombrio, para evitá-lo e
pensar em soluções, devemos olhar para os mundos possíveis contidos na
realidade que “nestes tempos” temos de enfrentar, o que nos obriga a ter de
sofrer de um lado, e de recriar do outro ao mesmo tempo. O filósofo americano Nelson Goodman chamou
a atenção para os “mundos possíveis que estão dentro do mundo real”. Numa
crise sistémica, mais importante do que prever o futuro, que ninguém sabe o que
vai ser, é olharmos para esses mundos possíveis que estão dentro da realidade
sombria que vivemos e encontrarmos formas de minimizar os riscos que se nos
colocam. ”É um erro pensar uma geração como dispensável ou como um peso,
pois não podemos viver uns sem os outros”(cardeal Tolentino de Mendonça)