sexta-feira, dezembro 14, 2007

O Tratado de Lisboa e o medo da mudança

TUDO MUITO CLARO .........
(artigo publicado no "Jornal de Leiria" na edição de 30 de Outubro de 2007) pela Dra Ana Gomes , diplomata e deputada europeia

Ouvem-se várias vozes a acicatar o medo da mudança, contra quem se regozija com o resultado da cimeira de Lisboa, como é o meu caso. Os críticos dizem que o novo Tratado beneficia os Estados mais populosos e diminui o poder da Comissão Europeia, submetendo a UE à tirania de um directório de países grandes, poderosos e egoístas. E lêem negativamente o facto de se substituírem as presidências rotativas da União por um Presidente permanente e se introduzir um limite ao número de Comissários.
Omitem os críticos que todos os países, grandes e pequenos, ficam em situação de igualdade, a dispor de um Comissário rotativamente. E que as Presidências rotativas, de facto, tiravam coerência e continuidade à liderança política da União. E que no Conselho Europeu não há barricadas dos países grandes opostas a outras dos países pequenos, mas antes alianças de geometria variável, dependendo dos temas.
Esquecem também os críticos que o actual sistema de votos era pouco justo e que a unanimidade submetia o aprofundamento da UE aos caprichos de um qualquer governo. Em contrapartida, com o novo Tratado, vai verificar-se a abolição do veto em 50 novas áreas e introduzir-se a co-decisão do Parlamento Europeu na esmagadora maioria das políticas (cobrindo 95% da legislação europeia): logo, o direito de iniciativa da Comissão e o papel do Parlamento Europeu (PE) saem reforçados. Como sai reforçado o controle democrático também porque os parlamentos nacionais passarão a poder entravar iniciativas da Comissão se considerarem que o assunto é melhor decidido a nível nacional ou local.
Eu defendi um referendo sobre a falhada Constituição e não me arrependo. Mas o Tratado Reformador, além de ter perdido elementos federalizantes, não tem a unidade e coerência de apresentação da Constituição. É um conjunto de emendas aos Tratados anteriores, mais impenetrável para os cidadãos. É, por isso, também mais explorável por quem faz demagogia anti-europeia ou contesta a participação portuguesa na UE.
Explicar o que está em causa neste Tratado implica não deixar que as soluções nele acordadas sejam confundidas com a questão de fundo: Portugal deve continuar a participar e a contribuir para a construção da UE? Isso é o que eu realmente queria, e quero, ver referendado e a que, claramente, respondo SIM. Essa é a questão de fundo que pode e deve ser referendada em Portugal, sem no entanto se travar a entrada em vigor do Tratado de Lisboa.
Agora, no final de 2007, o tempo escasseia para se lograrem as ratificações necessárias nos 27 Estados Membros para que o Tratado entre em vigor em 2009. Se falhar num só, lá se vai o Tratado de Lisboa... Acresce que, estando Portugal na Presidência da UE, temos a responsabilidade de não propiciar um "efeito dominó" que dificulte a ratificação noutros países. Por exemplo, no Reino Unido, um possível referendo acarretaria não apenas o chumbo do Tratado, mas o fim da União Europeia tal como a conhecemos.
O novo Tratado é indispensável para fazer funcionar melhor a UE a 27. Não só ‘desemperra’ a engrenagem, como traz importantes mais-valias ao funcionamento democrático da União, incluindo o poder de iniciativa dos cidadãos através de petições. Torna juridicamente vinculativa a Carta dos Direitos Fundamentais, consagra a solidariedade, reconhece os parceiros sociais, introduz garantias de protecção social e emprego, cria novas bases legais para a protecção ambiental, etc. Precisamos do Tratado de Lisboa para que a UE deixe de ser apenas um gigante económico e se afirme politicamente para regular a globalização, tornando o mundo mais seguro e justo para todos.
Portugal vai saber encontrar formas criativas de fazer valer os seus interesses, sem precisar de ter sempre um Comissário ou tentar marcar a agenda europeia durante efémeras presidências. O novo Tratado vai exigir-nos melhor preparação diplomática e política para navegar com a dupla maioria. Mas navegar nunca nos assustou. E bem sabemos que isso implica deixar para trás carpideiras com medo da mudança...

É ASSIM MESMO DEIXAMO-NOS DE HIPOCRISIA. Aqueles que querem por em causa a permanência de Portugal na Comunidade Europeia que o digam claramente e apresentem alternativas .....