quinta-feira, agosto 03, 2017

COMO FOI A MINHA VIDA MILITAR (1 parte)

COMO FUI PARAR Á TROPA?
 DE SANTARÉM A SANTA MARGARIDA
 (14 de Julho de  1969 a 16 Julho de 1970)

Muitas das circunstâncias da vida são criadas por três escolhas básicas: as disciplinas que você decide manter, as pessoas com quem você decide estar; e, as leis que você decide obedecer.” (Charles Millhuff)


No dia 21 de Junho de 1968 fui às “sortes” - No início do século XX começou a era do serviço militar obrigatório que viria a prolongar-se por cerca de um século. Os rapazes tinham que “ir às sortes” logo que completassem os 18 anos de idade. “Ir às sortes” como se dizia na época, era ser chamado para a inspecção militar. Boa sorte se ficasse livre, má sorte se fosse apurado.
Era a tropa! Dizia-se que era lá que os rapazes se faziam homens!
Ir às “sortes” representava ultrapassar a fase de rapazola para homem feito e pronto para a vida, pronto até para ir para a guerra.
A vida era interrompida por dois, três e até quatro anos, e nesse período os rapazes eram confrontados com experiências que iam desde longas deslocações para os quartéis em terras distantes, viagens para o Ultramar, participação na guerra colonial, ou  o que lhe calhasse em sorte.
Assim, no dia marcado na Junta de Freguesia de Almeirim lá fui “tirar as sortes”, perante a chamada “junta de recrutamento”, tendo ficado “apurado para todo o serviço”, não com 18 anos, mas já com 20 anos, pois nessa altura andava a estudar no Instituto Comercial de Lisboa, acabava de fazer o 1º ano. A partir desse dia, nunca mais liguei a esse facto – andava a estudar, tinha aproveitamento escolar, logo tinha era que tirar o curso – licenciatura em Ciências Económicas e Financeiras, e depois logo se via, quando ia cumprir o serviço militar – puro engano!
Por razões que nunca foram bem explicadas, nem por mim compreendidas, na semana em que um acontecimento que empolgou milhões de pessoas, em todo o Mundo , dia 16 de Julho de 1969 , foi transmitido pela televisão a chegada do Homem à Lua – hoje tal facto levanta dúvidas quanto à sua veracidade – encontrava-me a estudar em Lisboa no Instituto Comercial de Lisboa, (2ºano) em plena época de exames, após ter concluído as respectivas frequências do 2º semestre, e fui convocado para cumprir o serviço militar obrigatório. (Só bastantes anos depois tive uma explicação para este acontecimento, não esperado dado a tradição escolar que então vigorava. De facto, nessa altura integrava a Associação Académica, na secção desportiva e, talvez por isso,  
devido crise estudantil de 1969 que provocou a demissão do ministro da Educação, a mudança de reitor e o envio dos “estudantes mal comportados” para a guerra colonial- na verdade estive e estava a “milhas” da intervenção politica estudantil, muito acesa naquela altura). Isto é porque pertencia à Associação de Estudantes logo era “considerado um estudante mal comportado!” Sempre pensei que as lutas estudantis eram motivadas, naquela época, principalmente, por um “gozo imenso” de “desobedecer à autoridade de então”…mas afinal parece que não era bem assim.

Assim no dia 12 de Julho (sábado) de 1969 fui passar o fim de semana a casa dos meus pais.  Ao chegar, e apear-me “da carreira da Ribatejana”,  tinha à espera o meu irmão, com um postal na mão, a convocar-me para me apresentar no quartel militar de Santarém, na segunda –feira ( 14 de Julho), tendo sido recrutado para frequentar o CSM “ 1º ciclo do curso de sargentos milicianos” – surpreendido, pois nunca mais tinha pensado nisso, já que que estudava, julgava  estava dispensado até acabar o curso, desde que tivesse aproveitamento, (era o que eu pensava) lá me apresentei nessa segunda-feira, acompanhado pelo meu pai – que fez questão de ir pois nessa altura muitos jovens “desapareciam” (nunca tal me passou pela cabeça) - onde fui encontrar outros amigos, alguns que já não via há algum tempo, nomeadamente os dois ou três que jogaram comigo nas camadas jovens dos “Leões de Santarém”. Na verdade ainda meio “zonzo” por não saber bem o que estava ali a fazer!
Ali, encontrei mais alguns na mesma situação, tendo sido informado que, “bastava no fim dessa semana apresentar as novas “habilitações literárias” e passaria para o COM (Curso de Oficiais Milicianos), só que esse era em Mafra! Aí, pensei que entre Santarém, onde estava mais ou menos em casa, pois conhecia e era conhecido por muita gente, para além de ter sido jogador de futebol, estudei e vivi em Santarém 6 anos, e ir para Mafra, onde não sabia o que ia encontrar, optei por “deixar passar as coisas”, depois logo se via, já que no fim deste período de instrução militar poderia então apresentar as habilitações literárias.
E, por ali fiquei até finais de Setembro recordando os episódios desses tempos pouco ou nada resta, a não ser a “pressão psicológica” exercida diariamente, talvez necessária para enquadrar os “espíritos comportamentais dos jovens” e  “ a exigência do trabalho físico até aos limites”, na verdade tudo passei porque tinha apenas em mente um objectivo que sempre me acompanhou durante todo o tempo em que cumpri o serviço militar – retomar os estudos e concluir a licenciatura em ciências económicas e financeiras.
Mas, posso “rememorizar” alguma situações comuns a todos que nessa altura tinham que cumprir, esta primeira fase do serviço militar obrigatório na Escola Prática de Cavalaria em Santarém, começando e dado tratar-se de um “curso de CSM considerado excepcional” fomos colocados no antigo aquartelamento conhecido com “Regimento Artilharia 6”, que nessa altura já não funcionava em Santarém e assim as instalações serviço de “anexo” à Escola Prática de Cavalaria. Também me lembro das idas para a “zona das Caneiras” – não para comer fataça na Telha – mas para exercícios militares, desde andar “por dentro de manilhas”, “salto no escuro” etc.
Relembro ainda aquela “nocturna” e se bem me lembro estava muito frio e chuva  , podem imaginar o quanto devemos ter sofrido; também sem qualquer bússola para ajudar-nos na orientação até ao quartel, o que só dificultava as coisas. No entanto, como só possuíamos um mapa, e dois ou três éramos conhecedores do terreno, lá fomos pondo em prática o lema "safem-se como puder"- e assim, estivemos quase toda a noite, escondidos numa adega no Pombalinho, onde nos foi dado de comer “chouriça assada e pão caseiro” , até que decidimos o regresso ao quartel, em Santarém, que foi cansativo, molhado e frio mas serviu para nos habituar a situações futuras da mesma ordem.
Até que, numa dada manhã nos finais de Setembro, reunidos na parada militar, na conclusão dessa fase de “instrução militar”, foi feita a “distribuição de cada um” pelas mais diversas especialidades militares, tendo me “calhado” a continuação no CSM – curso de sargentos milicianos na “na especialidade de alimentação” na companhia de administração militar na Póvoa de Varzim! Ora isso para mim ficava muito longe, e eu tinha intenção de voltar para Lisboa.
E, assim dirige-me à secretaria para “comunicar a minha intenção de passar para o COM (curso de oficiais milicianos)” que , de acordo com o que eu pensava, se situava na então “ Escola de Administração Militar” em Lisboa. E, lá fui. Ao entrar e apresentar-me de acordo com os “tramites militares” o “idoso capitão” que estava por detrás da secretária olhou para mim e nem sequer me deixou “falar” – “oh rapaz vá lá dar uma volta à parada para limpares essas ideias e depois volta cá!”.
E, eu lá voltei para trás, mentalmente “vocirando qualquer coisa não inteligível nos nossos dias”, mas acima de tudo com aquela duvida – como é que ele sobe o que eu iria dizer? – até hoje nunca tive resposta. E eu lá fui dar a tal volta “à parada” – o que é que eu ando aqui a fazer? – e nestes pensamentos encontro um amigo de longa data, hoje já falecido, que  me diz – “eh pá sabes que a malta que vai passar para o COM, vai ali para a Escola Prática formar um Batalhão que vai para a Guiné!
Naquela altura “imagine-se que jovens que, com vinte anos, iam para a guerra e, ou eram mortos, ou tinham de matar”…. E a Guiné representava o pior dos piores cenários possíveis! Pois …mas a minha intenção era ir para a especialidade de administração militar (COM-reabastecimentos) e para Lisboa!!!
E, acabei a minha volta à parada, dirigi-me à secretaria, cumpri as exigências de apresentação militar e informei que estava ali para levantar a “minha guia de marcha para ir para a Povoa de Varzim” …. Na verdade nunca cheguei a saber para onde ia se tivesse pedido a alteração das minhas habilitações literárias.  E, em 26 de Setembro de 1969, de comboio, lá fui até à Povoa de Varzim, onde cheguei à noite, cumprindo a “minha formação na especialidade de alimentação no CSM”, até 5 de Janeiro de 1970, período de tempo que ”nada de especial ficou ma minha memória a não ser “ a interrupção da semana de campo devido ao frio”
Assim em 5 de Janeiro de 1970   fui colocado, após terminar esta fase e promovido a “cabo miliciano”,  na Companhia de Artilharia de Costa, em Oeiras, indo para a secção de Alcabideche, ali mesmo junto à serra de Sintra. (Neste aquartelamento de Oeiras, cumpriram serviço militar o meu avô, materno, e o meu pai).
Assim, “achei que foi o destino que me pôs no mesmo local”, que o meu avô e o meu pai. Estava perto de Lisboa, levava uma “vida santa”, num pequeno aquartelamento, com muita pouca gente, e lá fui passando o tempo.
Até que um “belo dia” do mês de Julho de 1970, após o almoço, sou interpelando pelo capitão comandante daquele “aquartelamento” que, muito raramente lá ia, mais ou menos assim – “Oh Bento o que é que estás aqui a fazer?”– E, quando eu começava a responder, mais ou menos o que se fazia ali, ele emendou e reafirmou – “Não é isso que eu quero dizer, com as tuas habilitações estás errado aqui! Tenho que comunicar ao Comando!” Estou lixado! Vou ter repetir a especialidade e vou, de certeza bater com os “ditos cujos” na Guiné! “ Porra p´ra isto” – devo ter dito ou pensado tudo isto nesta altura!!!
Para combater o “stresse” desta situação, disse a um militar (soldado condutor) para ir buscar um jeep, e irmos até Cascais, fazer “uma ronda de policia de unidade”. Posemos o respectivo braçal de PU e lá fomos, nessa tarde, até à estação de Cascais!
Estávamos nós nesse “divertimento” de ver passar o pessoal que ia e vinha de comboio, quando de repente surge o meu amigo Ramiro, que tinha estado comigo na Póvoa de Varzim. Conversa puxa conversa, lá me disse que estava de “férias antes de embarcar para Angola” e de repente – Oh Bento mas tu também estás mobilizado! Estás aqui…já está considerado como refractário! Isto é, não me tinha apresentado na minha unidade mobilizadora para o Ultramar. Mas, como me podia ter apresentado se nada sabia? De qualquer modo era uma oportunidade para me “tentar safar à queixa que de certeza o capitão ia apresentar”!!!!
Naquelas alturas muitos portugueses em idade militar não fizeram a guerra, sendo forma escolhida por muitos a falta à inspecção (faltosos), que chegou a atingir 20 por cento do contingente. Esta alternativa implicava ou a saída do País ou a clandestinidade. Alguns preferiram a deserção (fuga ao serviço depois da incorporação), embora, de facto, este número nunca fosse significativo, e outros ainda, por várias circunstâncias, acabaram por não ser incluídos nas listas de mobilizados, portanto certamente eu estaria incluído numa dessas situações.

Mas na realidade nada disto tinha acontecido comigo! (a minha salvação foi um clip!!!) pois eu já havia sido “ transferido para o Regimento de Infantaria 2”, em Abrantes, desde 5 de  Janeiro de 1970, só que, ainda hoje não sei – nem sequer tentei saber – porque fui para a Oeiras (Alcabideche), e durante todos aqueles meses, ninguém deu pela “minha falta em Abrantes”!. Mas, passo a contar o resto da história: Fui imediatamente para Oeiras (quartel militar) dirige-me à secretaria geral – onde um capitão idoso me atendeu – e me começou por dizer “isso é brincadeira do teu camara! Mas, oh  meu capitão, é melhor dar uma vista de olhos a esse monte de papeis! E ele muito a contragosto lá foi passando os papeis… até que, por detrás dum outro papel e preso por um clip, lá estava a minha mobilização para o Ultramar (Angola)!! A  partir do Regimento de Infantaria 2, em Abrantes.
“Não há qualquer problema” – diz o capitão. Vou passar a guia de marcha para Abrantes (Regimento de Infantaria – unidade mobilizadora), e amanha de manhazinha um jeep vai lá levar-te. E assim foi. Cheguei antes de almoço a Abrantes, almocei e depois do almoço apresentei-me na secretaria. Aí fui informado que o meu Batalhão há muito já havia partido para Santa Margarida e só porque “houve um atraso no embarque ainda lá estão!”

Na verdade eu cheguei mais tarde a Santa Margarida! No dia 16 de Julho de 1970, por obra do acaso - talvez me tenha safado da Guiné, pela segunda vez e de repetir a especialidade – pensava eu! E, assim foi …esta história do COM acompanhou sempre durante todo o serviço militar, até mesmo despois de ter cumprido esse período, já em 1973 recebi um postal do Regimento de Abrantes, para me deslocar lá “para assunto do meu interesse” – nunca cheguei a saber, pois nunca lá fui!




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