quinta-feira, agosto 03, 2017

COMO FOI A MINHA VIDA MILITAR (Parte 2)

IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Militar) em Santa Margarida (1970) até ao embarque no “Vera Cruz”.


Já em Santa Margarida, tive que explicar que não “era nenhum fugitivo” – repetindo várias vezes a história, omitindo a parte do COM, claro está!.
Eis a razão por que “passei apenas uma semana em Santa Margarida”, pois na noite de
Sexta feira 24 de Julho de 1970, partimos para a estação de caminho de ferro, fizemos a viagem, sem parar até ao local de embarque na “Rocha de Conde de Óbidos em Alcântara - Lisboa”, onde embarcámos no navio “Vera Cruz”, antes do meio dia de Sábado 25 Julho de 1970. E, talvez a partir daqui tenha deixado de pensar na “probabilidade de ter que repetir a tropa”! Nunca cheguei a saber se o referido capitão apresentou ou não a respectiva queixa!!!

 “Nada acontece por acaso, cada pessoa é dona do seu próprio destino...” será mesmo assim?

A chegada àquele campo militar trouxe um pouco de comoção. Os meus camaradas desdobravam-se a contarem as suas experiências do IAO. Porém, não foi o retracto da instrução o que mais mexeu comigo. A grande notícia no campo militar, talvez fosse a deserção  de alguns militares no ultimo fim de semana!!

De acordo com “História do Batalhão de Caçadores 2919” compilado por David Martelo, (então capitão, ex-comandante da CCaç2738), o Batalhão de Caçadores 2919 e as respectivas companhias CCS- Companhia de Comando e Serviços, CCaç2738 , CCaç 2739 e CCaç 2740 (Companhias de Caçadores) isto é as unidades operacionais,  teve como unidade mobilizadora o Regimento de Infantaria nº 2 (RI2), aquartelamento situado na cidade de Abrantes, sendo que, o seu “nascimento” se situa no dia 25 de Maio de 1970, isto é o Batalhão 2919 e as suas subunidades começaram de facto, neste dia, a sua   existência ao deslocarem-se para o então Campo de Instrução Militar de Santa Margarida (CIM), onde se iria realizar a Instrução de Aperfeiçoamento Profissional (IAO). No dia seguinte à sua chegada deu-se início a uma Escola Preparatória de Quadros (EPQ), destinado aos graduados que iam tomar parte nesta fase da instrução. Por aqueles dias foram-se também juntando os especialistas, os homens de transmissões, os condutores, os cozinheiros, os escriturários, vindos de outras unidades, que depois iriam integrar essa formação de Instrução de Aperfeiçoamento Operacional (IAO) que era ministrada às unidades mobilizadas e durava três semanas consecutivas.

 O IAO não teve, em mim, quaisquer proveitos práticos. Porque cheguei mais tarde, e porque no pouco tempo que estive em Santa Margarida, apenas uma semana não me apercebi de nada ser diferente daquilo que já se fazia.  Passava-se o tempo em exercícios de ginástica e ordem unida, treinos de penetração, progressão, patrulhamentos, emboscadas, e pouco mais. O mais importante, para mim, foi a manutenção do poder físico e da disciplina militar, e a história da ida ao dentista, em que o mesmo me “chumbou um dente” a frio, chumbo que passados poucos dias, já em alto mar tive que arrancar pelas dores que me provocava.
Para além da respectiva foto, que tirei com todo o “ar de militar aprumado” não tinha qualquer enquadramento militar, assim “ofereci-me”, durante dois ou três dias, para “fazer companhia ao Virgílio Conceição”, que comandava uma das secções do Pelotão de Reconhecimento. E, lá íamos com os soldados, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Santa Margarida, local onde se deu a organização do Batalhão, treinar as situações de: patrulhamento, reacções a emboscadas, emboscadas, golpes de mão, batidas de zona, cercos e treino de tiro, na tentativa de preparar os militares o melhor possível para uma realidade de guerra que se nos iria deparar. (a melhor recordação destes tempos foi o de que apenas distribuímos metade das balas aos soldados e com as restantes “fazíamos carreiros como as formigas e depois atiçávamos o fogo”! ou ainda aquela dos dilagramas  que  era um dispositivo que, conjuntamente com a granada de mão defensiva M/63, ao qual era fixado, aplicado na espingarda automática G3, permitia-nos obter alcances superiores aos conseguidos pelo arremesso manual da granada, reduzindo os riscos  na sua utilização. Pois é, mas o Conceição queria fazer “candeeiros de mesa” com o dilagrama e então deixava-se a granada “larga”, para fazer a mesma  cair do dilagrama sem rebentar, para o dilagrama ficar inteiro – riscos corridos por jovens que ainda não tinham bem a noção disso!!!)  

 “Terminada a organização do Batalhão, que tenho orgulho de comandar, dirijo a oficiais, sargentos e praças as minhas saudações, completamente confiante que todos estarão já bem compenetrados desta hora de começar, da importância de um perfeito e total aproveitamento do curto período inicial da sua preparação, para o futuro da sagrada missão de soberania, no território Pátrio do Ultramar. Desejo acentuar, que quanto mais duro e esforçado for o trabalho de cada um nesta primeira fase da vida da Unidade, quer seja Comandante de Companhia, de Grupo de Combate, de Secção, ou de Equipa, seja simples Soldado Atirador – mais fáceis mais tarde, se tornarão, sem sombra de dúvida, as suas actividades em defesa das populações, nas acções punitivas contra os bandos de adversários, como em contrapartida, aumentadas serão as probabilidades de êxito, e diminuídos, substancialmente, os nossos riscos e vulnerabilidades, face aos ataques traiçoeiros dos mesmos adversários. Por ter observado já a entusiástica actuação de muitos, ao longo de toda a Instrução Especial, haver constatado a convicção no tratamento das boas normas de Disciplina, e um forte ideal em todos os que comando – é orgulhosamente que assumo o Comando que me é confiado, mesmo que avaliando e pressentindo bem o tremendo peso das responsabilidades dele resultantes.” (discurso ao Batalhão, pelo comandante tenente-coronel de infantaria Álvaro Quintino, no dia 1 de Julho de 1970 em Santa Margarida – in “Historia do Batalhão de Caçadores 2919” autoria de David Martelo ( ex-comandante da CCaç 2738)

 Todos os milicianos, oficiais, sargentos e praças, a quem lhes tinha sido incutida a ideia de um Portugal que ia do Minho a Timor, estavam a tomar parte nesta comissão de serviço para o Ultramar, em geral, não muito entusiasmados, antes apreensivos, empurrados pelo sistema. Os graduados já sabiam que iam ser mobilizados para Angola, e as praças, ainda que não estivessem mobilizadas, encaravam esta eventualidade como a mais provável. Só não faziam ideia onde iriam parar – ninguém sabia! Por essa altura receava-se muito a ida para o “Leste”, onde se constava que as Nossas Tropas (NT) estariam a sofrer baixas consideráveis. Durante muitas noites, cada um nos seus silêncios imaginava o pior desta comissão, que era o de vir a ser morto ou ficar estropiado. Todos já tinham ouvido histórias sinistras de ex-combatentes, muitas vezes empoladas. Houve até quem se suicidasse só de as ouvir. E, alguns, assistiram mesmo a funerais de militares falecidos no Ultramar, tendo tido oportunidade de ouvir as mães, as esposas e as noivas em pranto junto das urnas e depois ouvirem a salva de tiros da guarda de honra, quando o caixão descia à terra, que era mais um motivo para uns tantos, e sobretudo umas tantas, se alvoraçarem num último choro, às vezes misturado com desmaios. Mas era melhor nem pensar nisso naquele momento, sem hesitações, calando os nossos medos, ali estávamos para continuar Portugal. E íamos partir, não porque estivéssemos muito certos daquela política, não porque estivéssemos de acordo com o regime, mas porque o sistema, a estrutura, o peso de um Portugal descobridor com mais de quinhentos anos de história, ainda pesava muito nas nossas consciências e, também, porque não dizê-lo, pela repressão então reinante, porque não estávamos habituados a pôr as coisas em questão. Muitos, com problemas particulares, aventuraram-se à emigração clandestina, e por lá ficaram na situação de desertores, mas nós íamos partir.

No dia da partida para o embarque recebi as divisas de furriel.  E, talvez tenha pensado que o espectro de ter que repetir o serviço militar estava ultrapassado!! Nunca mais pensei nisso….até 1973, conforme referi anteriormente.

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