IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Militar) em Santa Margarida (1970) até
ao embarque no “Vera Cruz”.
Já em Santa Margarida, tive que
explicar que não “era nenhum fugitivo” – repetindo várias vezes a história,
omitindo a parte do COM, claro está!.
Eis a razão por que “passei apenas uma
semana em Santa Margarida”, pois na noite de
Sexta feira 24 de Julho de 1970,
partimos para a estação de caminho de ferro, fizemos a viagem, sem parar até ao
local de embarque na “Rocha de Conde de Óbidos em Alcântara - Lisboa”, onde
embarcámos no navio “Vera Cruz”, antes do meio dia de Sábado 25 Julho de 1970.
E, talvez a partir daqui tenha deixado de pensar na “probabilidade de ter que
repetir a tropa”! Nunca cheguei a saber se o referido capitão apresentou ou não
a respectiva queixa!!!
“Nada
acontece por acaso, cada pessoa é dona do seu próprio destino...”
será mesmo assim?
A chegada àquele campo militar trouxe
um pouco de comoção. Os meus camaradas desdobravam-se a contarem as suas
experiências do IAO. Porém, não foi o retracto da instrução o que mais mexeu
comigo. A grande notícia no campo militar, talvez fosse a deserção de alguns militares no ultimo fim de semana!!
De acordo com “História do Batalhão de
Caçadores 2919” compilado por David Martelo, (então capitão, ex-comandante da
CCaç2738), o Batalhão de Caçadores 2919 e as respectivas companhias CCS-
Companhia de Comando e Serviços, CCaç2738 , CCaç 2739 e CCaç 2740 (Companhias
de Caçadores) isto é as unidades operacionais,
teve como unidade mobilizadora o Regimento de Infantaria nº 2 (RI2),
aquartelamento situado na cidade de Abrantes, sendo que, o seu “nascimento” se
situa no dia 25 de Maio de 1970, isto é o Batalhão 2919 e as suas subunidades
começaram de facto, neste dia, a sua existência ao deslocarem-se para o então Campo
de Instrução Militar de Santa Margarida (CIM), onde se iria realizar a
Instrução de Aperfeiçoamento Profissional (IAO). No dia seguinte à sua chegada
deu-se início a uma Escola Preparatória de Quadros (EPQ), destinado aos
graduados que iam tomar parte nesta fase da instrução. Por aqueles dias
foram-se também juntando os especialistas, os homens de transmissões, os
condutores, os cozinheiros, os escriturários, vindos de outras unidades, que
depois iriam integrar essa formação de Instrução de Aperfeiçoamento Operacional
(IAO) que era ministrada às unidades mobilizadas e durava três semanas
consecutivas.
O IAO não teve, em mim, quaisquer proveitos
práticos. Porque cheguei mais tarde, e porque no pouco tempo que estive em
Santa Margarida, apenas uma semana não me apercebi de nada ser diferente
daquilo que já se fazia. Passava-se o
tempo em exercícios de ginástica e ordem unida, treinos de penetração,
progressão, patrulhamentos, emboscadas, e pouco mais. O mais importante, para
mim, foi a manutenção do poder físico e da disciplina militar, e a história da
ida ao dentista, em que o mesmo me “chumbou um dente” a frio, chumbo que
passados poucos dias, já em alto mar tive que arrancar pelas dores que me
provocava.
Para além da respectiva foto, que
tirei com todo o “ar de militar aprumado” não tinha qualquer enquadramento
militar, assim “ofereci-me”, durante dois ou três dias, para “fazer companhia
ao Virgílio Conceição”, que comandava uma das secções do Pelotão de
Reconhecimento. E, lá íamos com os soldados, no Centro de Instrução Militar
(CIM) de Santa Margarida, local onde se deu a organização do Batalhão, treinar
as situações de: patrulhamento, reacções a emboscadas, emboscadas, golpes de
mão, batidas de zona, cercos e treino de tiro, na tentativa de preparar os
militares o melhor possível para uma realidade de guerra que se nos iria deparar.
(a melhor recordação destes tempos foi o de que apenas distribuímos metade das
balas aos soldados e com as restantes “fazíamos carreiros como as formigas e
depois atiçávamos o fogo”! ou ainda aquela dos dilagramas que era um dispositivo que, conjuntamente com a
granada de mão defensiva M/63, ao qual era fixado, aplicado na espingarda
automática G3, permitia-nos obter alcances superiores aos conseguidos pelo
arremesso manual da granada, reduzindo os riscos na sua utilização. Pois é, mas o Conceição
queria fazer “candeeiros de mesa” com o dilagrama e então deixava-se a granada
“larga”, para fazer a mesma cair do
dilagrama sem rebentar, para o dilagrama ficar inteiro – riscos corridos por
jovens que ainda não tinham bem a noção disso!!!)
“Terminada
a organização do Batalhão, que tenho orgulho de comandar, dirijo a oficiais,
sargentos e praças as minhas saudações, completamente confiante que todos
estarão já bem compenetrados desta hora de começar, da importância de um
perfeito e total aproveitamento do curto período inicial da sua preparação,
para o futuro da sagrada missão de soberania, no território Pátrio do Ultramar.
Desejo acentuar, que quanto mais duro e esforçado for o trabalho de cada um
nesta primeira fase da vida da Unidade, quer seja Comandante de Companhia, de
Grupo de Combate, de Secção, ou de Equipa, seja simples Soldado Atirador – mais
fáceis mais tarde, se tornarão, sem sombra de dúvida, as suas actividades em
defesa das populações, nas acções punitivas contra os bandos de adversários,
como em contrapartida, aumentadas serão as probabilidades de êxito, e
diminuídos, substancialmente, os nossos riscos e vulnerabilidades, face aos
ataques traiçoeiros dos mesmos adversários. Por ter observado já a entusiástica
actuação de muitos, ao longo de toda a Instrução Especial, haver constatado a
convicção no tratamento das boas normas de Disciplina, e um forte ideal em
todos os que comando – é orgulhosamente que assumo o Comando que me é confiado,
mesmo que avaliando e pressentindo bem o tremendo peso das responsabilidades
dele resultantes.” (discurso ao Batalhão, pelo comandante tenente-coronel
de infantaria Álvaro Quintino, no dia 1 de Julho de 1970 em Santa Margarida –
in “Historia do Batalhão de Caçadores 2919” autoria de David Martelo ( ex-comandante
da CCaç 2738)
Todos os milicianos, oficiais, sargentos e
praças, a quem lhes tinha sido incutida a ideia de um Portugal que ia do Minho
a Timor, estavam a tomar parte nesta comissão de serviço para o Ultramar, em
geral, não muito entusiasmados, antes apreensivos, empurrados pelo sistema. Os
graduados já sabiam que iam ser mobilizados para Angola, e as praças, ainda que
não estivessem mobilizadas, encaravam esta eventualidade como a mais provável.
Só não faziam ideia onde iriam parar – ninguém sabia! Por essa altura
receava-se muito a ida para o “Leste”, onde se constava que as Nossas Tropas
(NT) estariam a sofrer baixas consideráveis. Durante muitas noites, cada um nos
seus silêncios imaginava o pior desta comissão, que era o de vir a ser morto ou
ficar estropiado. Todos já tinham ouvido histórias sinistras de ex-combatentes,
muitas vezes empoladas. Houve até quem se suicidasse só de as ouvir. E, alguns,
assistiram mesmo a funerais de militares falecidos no Ultramar, tendo tido
oportunidade de ouvir as mães, as esposas e as noivas em pranto junto das urnas
e depois ouvirem a salva de tiros da guarda de honra, quando o caixão descia à
terra, que era mais um motivo para uns tantos, e sobretudo umas tantas, se
alvoraçarem num último choro, às vezes misturado com desmaios. Mas era melhor
nem pensar nisso naquele momento, sem hesitações, calando os nossos medos, ali
estávamos para continuar Portugal. E íamos partir, não porque estivéssemos
muito certos daquela política, não porque estivéssemos de acordo com o regime,
mas porque o sistema, a estrutura, o peso de um Portugal descobridor com mais
de quinhentos anos de história, ainda pesava muito nas nossas consciências e,
também, porque não dizê-lo, pela repressão então reinante, porque não estávamos
habituados a pôr as coisas em questão. Muitos, com problemas particulares,
aventuraram-se à emigração clandestina, e por lá ficaram na situação de
desertores, mas nós íamos partir.
No dia da partida para o embarque recebi
as divisas de furriel. E, talvez tenha pensado
que o espectro de ter que repetir o serviço militar estava ultrapassado!! Nunca
mais pensei nisso….até 1973, conforme referi anteriormente.
Sem comentários:
Enviar um comentário