”Há no mundo uma raça
de homens com instintos sagrados e luminosos, com divinas bondades do coração,
com uma inteligência serena e lúcida,
com dedicações profundas, cheias de amor pelo trabalho e de adoração pelo bem,
que sofrem, e que se lamentam em vão.
Estes homens são o
Povo.
Estes homens, sob o
peso do calor e do Sol, transidos pelas chuvas, roídos do frio, descalços, mal
nutridos, lavram a terra, revolvem-na, gastam a sua vida, a sua forca, para
criar a pão, o alimento de todos.
Estes são o Povo, e
são os que nos alimentam.
Estes homens vivem
nas fábricas, pálidos, doentes, sem família, sem doces noites, sem um olhar
amigo que os console, sem ter o repouso do corpo e a expansão da alma, e
fabricam . O linho, o pano, a seda, os estofos.
Estes homens são o
Povo, e são os que nos vestem.
Estes homens vivem
debaixo das minas, sem o sol e as doçuras consoladoras da Natureza, respirando
mal, comendo pouco, sempre na véspera da morte, rotos, sujos, curvados, e
extraem o metal, o minério, o cobre, o ferro, e toda a matéria das indústrias.
Estes homens são o
Povo, e são as que nos enriquecem.
Estes homens, nos
tempos de lutas e de crises, tomam as velhas armas da Pátria e vão, dormindo
mal, com marchas terríveis, a neve, a chuva, ao frio, nos calores pesados,
combater e morrer longe dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos, para
que nós conservemos o nosso descanso opulento.
Estes homens são o
Povo, e são os que nos defendem.
Estes homens formam
as equipagens dos navios, são lenhadores, guardadores de gado, servos mal
retribuídos e desprezados.
Estes homens, são
os que nos servem.
E o mundo oficial,
opulento, soberano, o que faz a estes homens que o vestem, que o alimentam, que
o enriquecem, que o defendem, que o servem?
Primeiro,
despreza-os não pensa neles, não vela por eles; trata-os como se tratam os
bois; deixa-lhes apenas uma pequena porção dos seus trabalhos dolorosos; não
lhes melhora a sorte, cerca-os de obstáculos e de dificuldades; forma-lhes em
redor uma servidão que os prende e uma miséria que os esmaga; não lhes dá protecção;
e, terrível coisa, não os instrui: deixa-lhes morrer a alma.
E por isso que os
que tem coração e alma, e amam a Justiça, devem lutar e combater pelo Povo.
E ainda que não
sejam escutados, tem na amizade dele uma consolação suprema.
PÁGINAS DE JORNALISMO - O Distrito de Évora – Eça de
Queiroz Nº 2, 10 de Janeiro 1901
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