quarta-feira, junho 21, 2006

Passos em frente nas finanças locais

Passos em frente nas finanças locais

por Paulo Ferreira, in Publico, 2006.06.20

A nova lei de finanças locais pode pecar por defeito, ao não dar mais autonomia fiscal para os municípios. Mas o caminho é este, tanto na descentralização como na responsabilização pela obtenção de receitas

Há muito que as relações financeiras entre o Estado central e os municípios assentam em erros que as transformaram numa permanente fonte de atritos e de troca de acusações entre os eleitos locais e nacionais.
O primeiro equívoco está num modelo de financiamento autárquico que é alheio à partilha de esforços entre os vários sectores do Estado nos tempos de "vacas magras". Estando indexados às receitas de impostos, os montantes recebidos pelas autarquias dos cofres do Terreiro do Paço ficam imunes aos esforços de contenção de despesa que, com ou sem sucesso, têm sido tentados pelos últimos governos. Ao aumentarem impostos para tentar reduzir o défice, como tem acontecido com o IVA, os governos aumentam automaticamente as transferências para os municípios. E estes, com mais receita, tratam de fazer mais despesa... Eis como uma medida tem, em parte, resultados contrários aos que devia.

O segundo equívoco resulta deste. Fazer despesa é quase sempre uma fonte importante de popularidade junto dos eleitores. Mas cobrar os impostos que a pagam é, naturalmente, um ónus político importante. Os autarcas têm a parte boa do exercício político, enquanto o odioso de aplicar os tributos está entregue ao governo. Isto é, obviamente, um convite ao despesismo por parte dos presidentes de câmara menos conscienciosos.

Por último há a eterna falta de responsabilização. Há municípios que ultrapassam todas as regras e limites de despesa e de endividamento, porque sabem que acima deles há um Estado central ao qual recorrer em caso de emergência. Não é por acaso que é no sector autárquico que se tem verificado o maior aumento do número de funcionários públicos.

Setúbal, por exemplo, está desde 2003 com um plano de reequilíbrio financeiro assinado com o Ministério das Finanças, depois de fortes desequilíbrios financeiros. E em Santarém há atrasos no pagamento de empréstimos a sociedades financeiras.

A proposta de revisão da lei de finanças locais, ontem apresentada pelo Governo, dá passos no sentido certo para responder a estes e outros problemas.

Introduz, logo à partida, factores de correcção das transferências de acordo com o ciclo económico. Assim, as recessões são sentidas por todos os eleitos.

Ao permitir que os municípios baixem as taxas de IRS aplicadas no concelho até 3 por cento não só se transfere uma parte do ónus de cobrança de um imposto quase universal, como se tenta estimular a competitividade fiscal. Regiões mais despovoadas podem utilizar o mecanismo para tentar atrair população.

Por fim, o furor de construção associado às receitas autárquicas. A introdução de mecanismos de redistribuição de impostos municipais para concelhos com menos receitas pode atenuar a pressão urbanística que, nas últimas décadas, destruiu largas zonas do território.

Esta lei pode pecar por defeito, ao não dar mais autonomia fiscal para os municípios. E a negociação das competências a transferir do Estado central para o plano autárquico e do envelope financeiro associado promete polémica com os autarcas. Mas o caminho é este, tanto na descentralização, como na responsabilização pela obtenção de receitas

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