“Somos responsáveis por aquilo que fazemos, o que não fazemos e o que impedimos de fazer.”(Albert Camus)
A este
propósito com a chamada “pandemia da covid19” veio ao de cima “o problema dos
velhos nos lares”, mas não sejamos hipócritas a pandemia apenas destapou uma
realidade escondida há muito tempo, sendo que se não fosse a cegueira do mundo,
talvez os que, no presente não são velhos tivessem tempo para pensar que um dia
chegará a sua vez em qualquer “casa do empacotamento”. A pandemia confina,
fecha, mas pode abrir os olhos. É certo que os olhos só vêem o que querem, mas
se olharem e virem no presente o futuro aprenderão muito. A cegueira é a arma
dos donos destes tempos muito agitados. Outros tempo virão. O que mais tem o
tempo é tempo; os velhos, não. Os velhos não são “os que têm mais idade” mas os
que têm “idade a mais”. Como disse Julian
Barnes: “Quando somos jovens, inventamos diferentes
futuros para nós mesmos; quando somos velhos, inventamos diferentes passados
para os outros.”
É neste
contexto, e está na “moda” potenciado pela “imprensa que temos” onde a
“tentação” é apontar o dedo aos governantes, às autoridades de saúde, aos municípios,
às administrações dos próprios lares e à segurança social por todas as
situações, desde as mortes até às das más condições que se vive nos lares.
Claro que todos eles têm aqui colossais
responsabilidades, no entanto parece-nos inexplicável que , esta tragédia não
tenha inspirado reflexões nem criticas a todos aqueles que consideramos os
responsáveis por estas situações: os familiares que depositam e abandonam os velhos nos lares, como no
passado o faziam nos “asilos”! Porque
nunca se questiona a responsabilidade moral de quem pôs os velhos nos lares
nem se aponta o egoísmo das famílias como causa principal dessas tragédias?
É evidente
que haverá sempre situações em que o recurso a lares será a única ou a melhor
solução para muitos casos. Mas não são esses que estão em causa, até porque não
representam a maioria. A maioria dos velhos vão para lares porque os familiares
não estão disponíveis para sacrificar minimamente o seu estilo de vida,
desculpando-se com a distância ou com os afazeres profissionais para justificar
o alheamento de situações que também deveriam ser do seu conhecimento e a
sociedade passou a considerar esta solução como moralmente aceitável. Hoje os mais velhos estão mais sozinhos do que
nunca nos lares que os acolhem. Precisamos, pois, de políticas mais
consistentes para a terceira idade, de instituições mais confortáveis para os
utentes, de profissionais mais habilitados para cuidar dos mais velhos e de uma
família que olhe para os idosos como um bem precioso que deve merecer todos os
cuidados, relembrando o que foi dito por Søren Kierkegaard: “A vida só pode
ser compreendida, olhando-se para trás; mas só pode ser vivida, olhando-se para
frente.”
Sempre temi os últimos anos de vida, no sentido que
lhe foi dado por Augusto Cury, “não tenha medo da vida, tenha medo de não vivê-la”,
talvez porque esta “modernidade líquida suspensa” na juventude despreza os mais
velhos, porque os filhos há muito deixaram de ter disponibilidade para cuidar
dos pais, porque as instituições sociais vocacionadas para amparar a terceira
idade mais parecem deteriorados sótãos para onde se atiram velharias que
raramente revisitamos. Como escreveu no seu livro , “ANOS”, Annie Ernaux, faz-nos
relembrar que por vezes, não construímos sequer
uma recordação de um «nós», num relato sobre o que fica quando o tempo
passa: “Tudo se apagará num segundo [...] Nem eu nem mim. A língua
continuará a pôr o mundo em palavras. Nas conversas à volta de uma mesa em dia
de festa seremos apenas um nome, cada vez mais sem rosto, até desaparecermos na
multidão anónima de uma geração distante.”
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