“A possibilidade de
realizarmos um sonho é o que torna a vida interessante.” (Paulo
Coelho)
“Os sonhos devem ser ditos para começar a se realizarem. E como todo projecto,
precisam de uma estratégia para serem alcançados. O adiamento destes sonhos
desaparecerá com o primeiro movimento.” (Paulo Coelho)
Neste sábado, 8 de junho de 2019, teve lugar perto
da localidade de Chamadouro - Santa Comba Dão, mais um encontro, à semelhança
de muitos outros, que todos os fins de semana tem um lugar no nosso País, de
ex-militares, que na sua juventude ( á
volta dos 20 anos de idade) foram
recrutados e mobilizados para cumprir o seu serviço militar nas Forças Armadas
Portuguesas na chamada, “guerra de África” nas ex-províncias ultramarinas entre 1961-1974, em
especial na Guiné, Angola e Moçambique, no nosso caso em 1970 e para Cabinda, onde na nossa juventude ,
passámos e vivemos na mata do Mayombe
(Cabinda) durante 24 meses (julho 1970 a agosto de 1972). Ficou já previsto que
o “encontro comemorativo dos 50 anos , 25 de julho de 2020, se irá realizar ,
previsivelmente no local onde tudo começou, - Abrantes”.
Como já foi escrito por alguém “existem homens que lutam um dia e são bons;
existem outros que lutam um ano e são melhores; existem aqueles que lutam
muitos anos e são muito bons. Porém, existem os que lutam toda a vida. Estes
são os imprescindíveis.” Porque nunca vamos desistir, enquanto um de nós existir
nesta vida”.
Cabe, talvez agora perguntar o que leva todos
estes cidadãos, de um pequeno País, que
até pode não ser a coisa mais espectacular do mundo mas... é Portugal!, já menos jovens, (idosos é a qualificação dada
pela organização Mundial de Saúde) em
todos os anos, ou desde sempre, sem excepções, promover tais encontros anuais,
talvez seja uma mistura de um sentir de saudade, pela possibilidade de
rememorar não só os tempos difíceis de dor, e de incertezas, mas também de
muita amizade, fraternidade e no cimentar de algo que, ainda ninguém descreveu,
por pertence a cada um de nós - no sentir de injustiça, pelo não reconhecimento
e gratidão que houve , num período da
nossa História que , talvez, mais de um milhão de jovens foi objecto de recrutamento
para servir as Forças Armadas Portuguesas, e que deram tudo do melhor que
tinham, incluindo a própria vida – ou talvez mais facilmente “um grupo de
cidadãos que vive no presente o passado da sua história de vida.
Na realidade, também queremos evitar que aquele
período, da história de Portugal, seja
esquecido, por hoje nos parecer irreal que o “futuro previsível temporal para
milhares de jovens fosse limitado aos seus primeiros pouco mais de 20 anos de
vida”! Paralelamente a isso, o País tem uma dívida de gratidão para com as
várias milhares de jovens que, naquela época, foram furtados às famílias, às
escolas, aos empregos e ao seu meio ambiente para irem combater por uma causa
que, á época era entendida como um dever de ser português, e muitos deles dando
a sua vida ou ficando estropiados ou deficientes, para todo o sempre.
Um sonho não basta sonhar. Temos que realizar.
Não basta falar. Temos que agir. Não basta querer. Temos que merecer. Os sonhos existem para serem
realizados, por isso não olhamos para trás nem escutamos as palavras de desânimo!
Isto tudo hoje, vêm também a propósito de pela,
primeira vez, um ministro dum governo da nossa República reconhecer que, há
ainda uma geração inteira que viveu o sofrimento das suas memórias quase em
silêncio. Muitos deles nem à família contaram por o que passaram. Quanto muito,
dividiram as lembranças com os seus camaradas de armas. E há milhares de homens
com mazelas físicas ou psicológicas que o País foi ignorando e, em demasiados
casos, deixando no mais absoluto dos abandonos. “Morrer pelo país ou por ele
sacrificar o bem-estar ou a vida é um ato de bravura única, que coloca os
combatentes num patamar de sacrifício que não é exigido em nenhum outra função
do Estado”. (”Ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho)”.
Por isso a
proposta de lei relativa ao
Estatuto do Antigo Combatente representa não apenas «um reconhecimento
simbólico e material pelo serviço prestado pelos militares que combateram por
Portugal», mas também «um reconhecimento formal há muito reclamado pelos
antigos combatentes. Esta proposta de lei consagra medidas muito concretas como
a criação do cartão do antigo combatente, «que se constitui como elemento
facilitador na relação com o Estado», em concreto no acesso aos benefícios e apoios
a que cada um tem direito e tem a vantagem de «clarificar e promover o
conhecimento aos cidadãos do regime legal aplicável, e que muitos parecem ainda
desconhecer».
Hoje dia -7 de Junho de 2019)- insertas na
imprensa, noticias de que a “proposta do
governo do Estatuto de Antigo Combatente é bem vista por todos os partidos
mas, baixa à especialidade sem votação
para se encontrar "um denominador comum" que possa incluir benefícios
concretos para os destinatários”, a ser realidade, constitui acima de tudo,
um acto de coragem politica numa matéria politica-ideológica partidária que
dividiu e divide muitos portugueses, configura-se , também, claramente como uma
tentativa de praticar um acto politico de reconciliação no presente, com a
nossa História, com o passado dos portugueses.
Como disse Agustina Bessa Luís :“As palavras
não significam nada se não forem recebidas como um eco da vontade de quem as
ouve”. Aguardamos que não aconteça o mesmo que aos combatentes portugueses
na grande guerra na Europa de 2014-18 que
só viram esse reconhecimento pela aprovação do Código dos Inválidos em 1929,
isto é 11 anos após o fim do conflito, num período em que o tempo “ médio de
vida era de menos de 40 anos”,( o qual, embora lhes tenha dado um estatuto
digno após revisões sucessivas, não evitou que ficassem na miséria e que muito
poucos ou quase nenhuns combatentes chegassem ao 25 de Abril de 1974, com
pensões degradadas, sem direito à assistência médica ou quaisquer regalias
sociais.)
Na verdade,
“O Estado tem obrigação de dar (aos ex-combatentes) apoio e às suas
famílias nas dificuldades físicas e mentais que advêm da experiência da guerra,
e tem responsabilidade de o fazer ao longo de toda a sua vida”.(Ministro da
Defesa Nacional, João Gomes Cravinho)
Como disse Mia Couto “Não penso na velhice,
tenho medo que a velhice pense em mim”. De forma construtiva aqui deixo
algumas ideias que podem ser consagradas no enquadramento jurídico-constitucional, de aplicação mediata, cujos impactos sociais
e políticos ultrapassam em muito os “mínimos impactos de custos económicos e
financeiros”, que provavelmente, alguns
procuraram “como justificativo” para “ a burocracia” usual no tempo de criação
do suporte jurídico-constitucional para as mesmas:
a) Criação
de Centros de Acolhimento e Repouso exclusivo para ex-combatentes, aproveitando
e adequando os aquartelamentos militares que tem sido abandonados, como
contrapartida de uma prestação adequada
a parte do rendimento da respectiva
pensão ou reforma de cada um - PROJECTO
CASA-ABRIGO PARA EX-COMBATENTES DA GUERRA DO ULTRAMAR;
b) Criação
de uma Rede Nacional de Apoio aos ex-combatentes portugueses portadores de perturbação psicológica crónica
resultante da exposição a factores traumáticos de stresse no decorrer da sua
participação nas comissões militares nas guerras nas ex-províncias
ultramarinas;
c) Permitir
o acesso aos ex-combatentes, por meio da identificação, do cartão do
combatente, a todos os serviços de saúde, exclusivo de militares, dos diversos
ramos das Forças Armadas Portuguesas;
d) Apoio
económico e social efectivo a todos os ex-combatentes no processo de
envelhecimento, com adequado apoio hospitalar, nomeadamente do hospital das
Forças Armadas;
e) Permitir
o acesso, de acordo com o preçário praticado nas mesmas, aos ex-combatentes ,
ás respectivas messes de qualquer ramo das Forças Armadas;
f) Criação
da figura de “cuidadora de um ex-combatente” e determinação da concessão do
respectivo subsídio inerente a essa função;
g) Isenção
do pagamento de qualquer verba pelos serviços prestados pelo serviço nacional
de saúde, quer nos centros de saúde, quer nos hospitais públicos, para si e
respectivo cônjuge;
h) Concessão
gratuita dos respectivos medicamentos, e dos meios necessários de apoio á sua
saúde física e motora, não só para o próprio, mas também para a esposa;
i) Isenção
do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), na aquisição de veículos próprios
e apropriados para a sua locomoção;
j) Isenção
total do pagamento do imposto municipal sobre imóveis (IMI), da sua residência
habitual;
k) Isenção
total do Imposto sobre rendimento de pessoas singulares (IRS) que recai sobre o
rendimento das pensões dos ex-combatentes;
l) Isenção
total pela utilização dos meios públicos de transporte de passageiros;
m) Direito
de preferência de usufruir da utilização dos meios e recursos disponíveis nos
hotéis pertencentes ao INATEL, contra o pagamento de 50% da prestação, diária,
normal;
Sendo verdade que todos os povos cometem muitos
erros, por ser inerente ao ser humano, mas com o erro há sempre alguém que
beneficia – e nunca são as vitimas. Como diz a frase o “dinheiro não consegue
comprar a história”, e a história faz-se sempre com alegrias ou tristezas,
dramas ou glórias, sucessos e frustrações, trabalho ou preguiça. No fundo como
a vida.
Na
realidade os políticos no nosso País trataram, até hoje, muito mal os
Portugueses que viveram as guerras. Não é exclusivo de Portugal. Mas a
expressão "ex-combatentes" foi um símbolo. E o poder politico , em
geral, esqueceu-se dos milhares de cidadãos portugueses por de trás palavra – “ex-combatentes”. No entanto,
temos que assumir que não se trata de um comportamento exclusivamente
português. Acontece em todos os países quando as guerras não se ganham ou não
se querem. As queixas dos veteranos portugueses da guerra no ex-províncias do
ultramar português são as queixas dos veteranos americanos da guerra do
Vietname e do Iraque: quando voltam a casa não os espera a gratidão dos seus
compatriotas. Na melhor das hipóteses, espera-os a indiferença.
Concluindo: Temos a consciência e a noção que por muito que
alguns tentem, e tem-no tentado, nunca conseguem alterar a verdade da história
de um povo , como dizia a canção “há sempre alguém que resiste/há sempre alguém
que diz não”. Tenho
muito orgulho em ser português e tenho a noção clara que sou cidadão e vivo num
dos melhores países do Mundo, como uma das mais antigas nações do Mundo, em
todos os aspectos da vida de qualquer ser humano, apesar dos períodos negros de
“porque temos passado na politica”,
em que em certos períodos, quase se
destruiu o conceito de dignidade humana dos portugueses, e tentando apenas e só
gerar o ódio entre gerações” nós sempre temos sabido sair com toda a
dignidade humana. “A vida é o pouco que nos sobra da morte.“ (Walt
Whitman)
Na realidade tudo isto parece tratar-se de um
absurdo de “ausência de medidas politicas de justiça e cidadania”, a que esta
proposta de lei pretende consolidar, não só o reconhecimento que “participámos
numa guerra”, mas de todos os direitos de que podem usufruir os ex-combatentes,
e por outro lado reconhecer que foi
o "ex-combatente" que fez a revolução. Os soldados, os sargentos e os
oficiais de baixa patente que fizeram a guerra foram os que nos trouxeram a
liberdade - os que foram enviados para as “Guerras de África” ou os que estavam
na iminência de o ser. Na verdade, a expressão "ex-combatente" foi
sempre usada sem nunca se estar realmente a referir a pessoas. Ela foi um
conceito político. E as pessoas concretas, com os seus dramas reais, acabaram
por ser punidas por isso. Passados mais
de 45 anos, está chegada a hora do País fazer as pazes com a sua memória. E
fazer justiça à geração da guerra. Sabendo que a “guerra do ultramar “não foi
decidida por eles e que eles foram, com os povos das ex-províncias ultramarinas
portuguesas, as suas principais vítimas. São eles que carregam as feridas do
nosso passado. E o poder politico falhou ao ignorá-las!
Tudo isto parece hoje óbvio. Mas nem sempre foi.
E é natural que não fosse. Os povos também precisam de tempo para sarar as
feridas da guerra e começar a falar do assunto. E quando finalmente o conseguem
fazer é muitas vezes tarde demais. Esperamos que à semelhança do que aconteceu
aos jovens portugueses combatentes na guerra de 2014-18 não venha acontecer o
mesmo aos, ainda vivos, talvez mais de 400 mil, combatentes nas guerras de
Africa, dos mais de um milhão que por lá passaram.
"Dizem que o tempo muda tudo, mas, na
verdade, somos nós que temos de fazer as mudanças." (Andy Warhol)
Armindo Bento – ex-combatente que
serviu as Forças Armadas Portuguesas (Batassano –Floresta do Mayombe-Cabinda
Julho de 1970 a Agosto de 1972)
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