O
SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTES DE PASSAGEIROS
(XV Parte - continuação)
Os cidadãos começam a perceber
que informação é poder
“Quando
o Governo não cumpre nem faz cumprir a
lei, algo não está bem
UM MEMORANDO PROSPECTIVO SOBRE O SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE DE
PASSAGEIROS. (continuação)
AS GREVES NAS EMPRESAS PÚBLICAS DE TRANSPORTE ([1])
(
Serviço Público de transporte de passageiros)
O direito de greve é um direito fundamental,
consagrado no numero 1 do artigo 57º da Constituição da República Portuguesa, prevendo o n° 3 do mesmo dispositivo
que "A lei define as condições da prestação, durante a greve, de serviços
necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de
serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidade
sociais impreteríveis."
Deste modo, se é certo que o direito à greve dos
trabalhadores é, não apenas reconhecido, mas, mais que isso, garantido pela
Constituição, não o é menos que, como bem ensina a nossa melhor Doutrina "Esta limitação constitucional do direito à
greve revela que os direitos dos trabalhadores carecem, como os outros
direitos, de tarefas metódicas de concordância prática e de juízos de
ponderação e de razoabilidade, não prevalecendo em abstracto contra certos bens
constitucionais colectivos, designadamente os que têm a ver com serviços de
primacial importância social, como os serviços de saúde, de transportes
públicos, de segurança, de protecção civil, serviços prisionais, de recolha de
resíduos urbanos, de água e de outros 'serviços de interesse económico geral'
de natureza afim, em que a continuidade é um valor em si mesmo (princípio da
continuidade dos serviços públicos), além de ser uma dimensão organizatória e
processual da garantia e realização de direitos, desde direitos, liberdades e
garantias como o direito à vida, à integridade física, à liberdade e à
segurança, até o direito à saúde e a bens essenciais." ([2])
Porém, tratando-se de
um direito fundamental, o direito de greve só pode ser restringido ou limitado
nos justos termos previstos no artigo 18º da Constituição, isto é na medida do
necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos e tendo em conta o respeito pelos princípios da necessidade, da
adequação e da proporcionalidade.
Portanto,
que apesar de ser um direito fundamental, o direito de greve não é um direito
absoluto, pode ser regulamentado por lei e esta regulamentação pode constituir
objectivamente uma restrição ao seu exercício, mas apenas quando se destine a
promover a segurança e manutenção de equipamentos e instalações e a ocorrer â
satisfação de necessidades sociais impreteríveis e se limite ao necessário para
salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos.
O
Código do Trabalho procede à regulamentação do direito de greve, nos seus
artigos 530º a 543º, assumindo particular importância para a questão que agora
nos ocupa os artigos 537º – Obrigação de prestação de serviços durante a greve,
e 538º – Definição de serviços a assegurar durante a greve.
A NOSSA POSIÇÃO SOBRE AS “GREVES” ([3])
A propósito
da greve geral prevista para o dia 24 de
Novembro de 2011, escrevi o seguinte, mas em relação ao mesmo tipo de greve
e na mesma data, mas em 2010 . “A
propósito da “greve de 24 de Novembro” fiquei a aguardar qual iria ser a
posição do Governo perante o incumprimento da Lei e o apuramento de
responsabilidades dos “gestores públicos”, que foram incapazes de prever tais
situações de incumprimento, por um lado e por outro a permissão de
“encerramento da própria empresa prestadora de um serviço público”,
contribuindo deste modo para a degradação da imagem da própria acção
governativa. ([4] ) Nem o
Governo tomou qualquer posição, nem os administradores tomaram qualquer tipo de
medida, mas também “nada lhe aconteceu”?
Temos aí exemplarmente toda a onda de
“greves”, não respeitando a Lei, nem os cidadãos. Esta situação reflecte
desconhecimento, por parte destes “gestores” de que “a empresa em si mesma não
tem vontade própria”, sendo que vontade da empresa é constituída pela vontade
ou vontades dos seus gestores. Logo, “tudo
o que se passa na empresa é da sua responsabilidade”, cabendo-lhe
organizá-la “e criar condições de vigilância e controlo para que no
desenvolvimento da actividade empresarial não sejam cometidos erros graves de
gestão que geram danos irreparáveis na sua actividade, na imagem pública,
geradora de prejuízos na actividade e “indisciplina juslaboral, como prestadora
de serviços públicos – que responsabilidades foram
apuradas? Ou por
outro lado, como foi possível que uma greve de
transportes públicos possa deixar os passageiros sem transportes alternativos?
Como foi possível que os responsáveis da
gestão destas empresas de transporte não
tenham tido a capacidade e a responsabilidade de “preparar adequadamente” a
resposta a esta situação([5]) ? Como foi possível, o que acontece pela primeira vez, “ver encerradas as
portas” do Metro/Lisboa, da Transtejo/Soflusa ou do Porto de Sines?( [6]).
Como sabemos o direito de greve, enquanto
direito fundamental, sofre os limites resultantes da necessária conciliação com
outros direitos constitucionalmente protegidos, com afloração no artigo 57º, nº
3, da Constituição da Republica, sendo
que as associações sindicais e os trabalhadores em greve devem assegurar a
prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades
sociais impreteríveis, e sempre que a greve se realize em empresa incluída
em algum dos sectores previstos neste art.º 598º, nº 2, que portanto se
consideram satisfazer as tais ‘necessidades sociais impreteríveis’, deve o
pré-aviso respectivo, dirigido pela entidade sindical que decidiu do recurso à
greve ao empregador ou associação de empregadores, e ao ministério responsável
pela área laboral, conter desde logo uma proposta de definição de serviços
mínimos – art.º 595º, nº 3, do Código do Trabalho – porque não foi
cumprido este normativo legal ?([7]) Qual vai ser a responsabilização dos
“ditos gestores” que não previram esta situação e “permitiram” o incumprimento
do serviço público? ([8])
Se para as empresas e para o Governo foi
afectada a sua imagem pública, quais as consequências para os trabalhadores
dessas empresas?
Como sabemos, no contrato de trabalho,
a greve suspende o contrato de trabalho,
pelo que o trabalhador deixa de estar obrigado pelos deveres de subordinação e
assiduidade (art.º 536º do Código do Trabalho), perdendo apenas o direito à
retribuição e ao subsídio de refeição, assim há que verificar o seguinte, nomeadamente
nestas empresas ( [9]):
- Nº
total de trabalhadores da empresa, incluindo as respectivas participadas;
- Valor
total dos salários incluindo subsídios e todas as remunerações acessórias,
pagos mensalmente;
- Nº de
trabalhadores que aderiram á greve; (percentagem que foi previamente
anunciada);
- Nº de
trabalhadores a quem foi descontado o dia de trabalho, incluindo a parte
das remunerações acessórias e o subsidio de refeição e respectivo valor;
- Nº de
“trabalhadores-sindicalistas” pagos pela empresa
Será muito
“interessante” constarmos, com excepção da Carris, em todas estas
empresas, que foi muito diminuto, segundo sabemos de ouvir dizer, que a menos
de uma centena de trabalhadores vai “ver descontado o dia de greve”, isto é,
foi a “própria empresa, com conivência clara dos seus responsáveis que “paga o
dia de greve”. A confirmar-se esta “escandalosa situação”, não será este
motivo suficiente para a substituição – demissão com justa causa – destes
“gestores”? Será que o Governo não vai “denunciar” esta inqualificável situação
que se pode tipificar entre outras situações como de administração danosa? ( [10])
Tratam-se de uma situações “chocante” que
prolifera com elevados custos que acarretam, resultantes não só da
“impreparação para assumir tais cargos”, mas também da “inadequação funcional”
que continuam a ser suportados por este sector empresarial do estado - não podemos esquecer que é a falta de eficácia e eficiência na acção
politica que conduz a uma progressiva falta de credibilidade da gestão pública.([11])
Segundo lemos na
imprensa a propósito das greves (Setembro 2016) no serviço publico fluvial de
transporte de passageiros, “ os trabalhadores recusam ser responsabilizados
pela degradação do serviço destas duas empresas, já que isso é a consequência
das políticas do governo anterior e da falta de iniciativa do actual, de que
resulta a imobilização de parte da frota, falta de trabalhadores, o que conduz
à redução da oferta de serviço aos utentes Os trabalhadores recusam ser o “bode
expiatório” das consequências de uma política de destruição do serviço pública
promovida pelo governo anterior e da falta de vontade e/ou incapacidade do
actual em resolver os problemas que estão a provocar a degradação do serviço
aos utentes, só como exemplo, no período de verão (até ontem) foram suprimidos
556 serviços no conjunto das duas empresas. A resolução passa pelo libertar das
verbas necessárias que permitam resolver a imobilização de quase metade da
frota das duas empresas, pela admissão dos trabalhadores necessários, pela
passagem a efectivos dos contratados pelas empresas de trabalho temporário e
pela reposição e negociação da contratação colectiva. “ (Isto é a ser verdadeiro o dado da supressão de carreiras, revela algo
catastrófico, o de que comparado com 2001 terão sido “suprimidas mais de 1000
ligações entre as duas margens!!!);
“Para ter um negócio de sucesso,
alguém, algum dia, teve que tomar uma atitude de coragem.” (Peter Drucker)
(continua)
[1] Entre os diversos acórdãos e jurisprudência
sobre esta matéria deixamos aqui apenas estes dois: Acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa 28.03.2012
(http://www.dgsi.pt/jtrl1.nsf/0/50a92964495be7a1802579d7002fbc70?OpenDocument)
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 07.12.2010
http://www.dgsi.pt/jtrl1.nsf/0/9baa9fab33efd2b280257818005483d2?OpenDocument
[2] Constituição
da República Portuguesa, Anotada, volume I, Coimbra Editora, 2007, J. J. Gomes
Canotilho e Vital Moreira, p. 757).
[3] Novembro de 2011 e Novembro de 2010
[4] "Os serviços mínimos
são um aspecto que está consagrado na lei. Tenho a certeza que todos os
sindicatos vão respeitar", respondeu primeiro ministro que disse
mesmo não ter nenhuma indicação que seja necessário ao Governo proceder a
medidas de requisição civil em algum sector. "No entanto, se for
necessário, fá-lo-emos, porque a lei da greve consagra o direito à greve,
respeitando também a liberdade de terceiros no sentido de poderem ser
atendidos. Por isso, os serviços mínimos servem para defender o interesse
geral", declarou. Em relação à greve geral de quarta-feira, o
primeiro-ministro disse que "neste país respeita-se o direito à greve".
[5]
Entre 1996-2001 estas situações “aconteceram
com toda a normalidade da acção sindical, resultante da visão politica que se
tem que aceitar em democracia”, nunca alguma vez se ficou sem transportes
alternativos. Fomos responsáveis entre 1996-2001 na Transtejo e nunca os
cidadãos ficaram sem ter transporte fluvial, nem sequer houve recurso a outros
meios de transporte, nem sequer houve necessidade de “declaração dos serviços
mínimos”).
[6]
Sendo possível que a mesma situação de encerramento tenha acontecido nas
restantes empresa, com excepção da Carris. Será
que os detentores dos cargos de gestão, na sua maior parte, estão lá
para criarem dificuldades e não para encontrar soluções adequadas a cada
empresa?
[7] Se
é verdade que participar numa greve é um direito democrático, não participar e
ir trabalhar é igualmente um direito democrático. Paralisar o país, paralisando
os transportes públicos e obrigando as pessoas a ficar em casa, tira-lhes este
direito de ir trabalhar
[8] “A Carris, CP, Metro do Porto, Metro de
Lisboa, Refer, STCP e Transtejo acumulam dívidas de €17,27 mil milhões (2010).
Só o passivo da CP e da Refer ascende quase a €10 mil milhões. Os trabalhadores
das empresas públicas de transportes continuam a fazer greves contra os cortes
salariais
[9] O sector de
transporte público colectivo de passageiros inclui as empresas totalmente
detidas pelo Estado: a Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S.A.; a CP-Caminhos
de Ferro Portugueses, E.P.; o Metropolitano de Lisboa, E.P. (ML); a
STCP-Sociedade de Transportes Colectivos do Porto, S.A. e a
Transtejo-Transportes do Tejo, S.A., a REFER e a Soflusa, e Porto de Sines (deve
incluir-se também as inúmeras participadas, “resultado da criatividade
imaginativa de arranjar lugares de administração”).
[10] (responsabilidade de gestão da “coisa
pública”) existem na nossa jurisprudência decisões no sentido de que o tipo
legal do “crime de administração danosa admite o dolo directo”, sustentando-se,
com base na utilização da expressão “intencionalmente”, que o legislador
“pretendeu excluir o dolo eventual, pois não se compreenderia que uma actuação
que envolve permanentemente riscos de prejuízos e o assumir da possibilidade de
prejuízos pudesse ser submetida ao n.º 3 do artigo 14º do Código Penal, sob
pena de ser paralisada a vida económica” (Ac. STJ 24/02/94, BMJ 434, pg.369;
cfr. tb. Ac. STJ 11/02/98, CJSTJ, 1, pg.199). Julga-se, porém, que, tal como
explica M. Costa Andrade (op. cit., pg.552), somente em relação à violação “das
normas de controlo ou regras económicas” se exige uma específica intenção, já
que, em relação ao resultado típico, não existindo qualquer limitação, o dolo
determinar-se-á segundo os critérios e os princípios gerais e, logo, é
admissível o dolo em qualquer das suas formas - directo, necessário ou eventual
(cfr. artigo 14º do Código Penal). Destes factos resulta que a nossa
jurisprudência distingui duas coisas: a intencionalidade dos factos praticados
da intencionalidade das consequências desses mesmos factos.
[11] “Quer se concorde ou não, é inadmissível que
o “ movimento grevista, iniciado em Novembro passado, registando diversas
greves programadas de forma sucessiva, com modos específicos de execução",
que vão desde o absentismo total ao trabalho, ao absentismo parcial e de curta
duração, ou "apenas a determinadas tarefas com efeitos gravosos na
prestação do serviço global das empresa, com prejuízos graves para a economia
nacional e dos clientes", sem que não tenha até esta data, num sector
público de actividade, cujo endividamento, referido apenas a sete empresas, já
ultrapassa os 17,4 mil milhões de euros, merecido uma estratégia de resposta
efectiva por parte das administrações das referidas empresas – a greve é um
direito com garantia constitucional, mas também o é um direito ao trabalho – como é possível que os administradores destas
empresas não cumpram a sua missão de garantir o pleno funcionamento de um
serviço publico essencial para os cidadãos? Como é que se pode “assistir ao
encerramento das portas do Metropolitano de Lisboa, sem que se apure as
responsabilidades por este acto de autêntico “terrorismo politico-sindical”? A
propósito das “greves que encerraram o Metro e a Transtejo/Soflusa”fiquei a
aguardar qual iria ser a posição do Governo perante o incumprimento da Lei e o
apuramento de responsabilidades dos “gestores públicos”, que foram incapazes de
prever tais situações de incumprimento, por um lado e por outro a permissão de
“encerramento da própria empresa prestadora de um serviço público”,
contribuindo deste modo para a degradação da imagem da própria acção governativa.
MAS ATÉ HOJE NENHUMA DECISÃO FOI TOMADA”.
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