quinta-feira, agosto 05, 2010

Declaração de guerra do sindicato do MP [1] — A questão da hierarquia

Declaração de guerra do sindicato do MP [1] — A questão da hierarquia

Perante a autêntica “declaração de guerra” hoje emitida pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), impõe-se parar para reflectir um pouco sobre a natureza e o modo de funcionamento de uma instituição como o Ministério Público. Impõe-se, designadamente, perguntar: o que é, afinal de contas, a hierarquia?

A hierarquia consiste numa relação jurídica vertical entre dois ou mais órgãos, nos termos da qual um órgão (que ocupa a posição de superior hierárquico) tem supremacia sobre outro órgão (que ocupa a posição de subalterno). Trata-se, em suma, de uma relação de supra/infra-ordenação, em que o superior manda e o inferior obedece. Nisto consiste a hierarquia, no facto de quem está colocado numa posição de superioridade ter sobre os seus subalternos determinados poderes: poder de direcção (dar ordens), poder de avocar processos, poder de decidir recursos hierárquicos, poder disciplinar, etc..

Pois bem, o que a “declaração de guerra” do SMMP mostra — e mostra-o à evidência — é exactamente o oposto disto. Mostra um Ministério Público em que os subordinados contestam as decisões dos superiores, questionam a sua legalidade e deixam até algumas ameaças (não muito) veladas. Mostra uma instituição em que não há respeito pelas chefias e em que a cadeia hierárquica está completamente invertida, com os subalternos a questionar e a desafiar a autoridade dos respectivos superiores. Eis alguns exemplos:

No ponto 12. da “declaração de guerra”, afirma o SMMP: “o Ministério Público tem falta de verdadeira hierarquia: não a obcecada por percentagens, não a do “quero, posso e mando”, não a da visão militarizada, mas daquela que, por directivas, ordens e instruções uniformize formas de actuação”. Ora, só o facto de o SMMP se arrogar o direito de escolher qual a forma correcta de exercer a hierarquia é prova suficiente de que no Ministério Público não há hierarquia alguma.

Num sistema verdadeiramente hierarquizado, os subordinados não questionam, nem opinam sobre a forma como a hierarquia deve ou não ser exercida; limitam-se a acatá-la. Num sistema verdadeiramente hierarquizado, o inferior não pode pôr em causa as decisões do superior. Num sistema verdadeiramente hierarquizado, o SMMP não mede forças com o Procurador-Geral da República, acusando-o de ter mandado abrir um inquérito “apressada e impensadamente” e recusando-se a aceitar, a priori, as conclusões que advenham desse inquérito (vide ponto 22. da “declaração de guerra”).

Mas há mais. No ponto 16. da “declaração de guerra”, o SMMP critica a actuação da Directora do DCIAP, contesta a reorganização do sistema de inspecções, declara ilegal o exercício do cargo de Vice-Procurador-Geral da República, acusa o Procurador-Geral da República de comprometer investigações, ao “interferir directamente na estratégia de investigação e na escolha e selecção de diligências” a realizar e insinua a parcialidade e permeabilidade do Procurador-Geral da República “a exigências de terceiros com interesses conflituantes com os da investigação”.

Ora, isto não é hierarquia. Isto é uma hierarquia ao contrário, em que quem devia obedecer afronta quem devia mandar. Isto é, portanto, a completa subversão da cadeia hierárquica. Isto é, noutros termos, a negação da própria ideia de hierarquia. Isto é, em suma, a total anarquia!

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