Porque é actual analisamos hoje exigibilidade do procedimento de discussão pública a que alude o artigo 7º, nº 5, do Decreto-lei nº 555/99 (RJUE), com referência ao artigo 77º nº 9 do D.L. 316/2007 e do procedimento de participação popular previsto na Lei nº 13/95, de 31 de Agosto.
O direito de participação, amplamente reconhecido aos cidadãos, constitui, ao lado do direito à informação, apanágio de uma sociedade democrática em que a administração deve ser aberta e dialogante. Os Autores dividem-se, contudo, quanto à caracterização deste direito como meramente procedimental ou como direito de natureza análoga aos direitos fundamentais
Certo é que o direito de participação assume particular acuidade no âmbito do urbanismo e do ordenamento do território, designadamente nos procedimentos de planificação e nas questões que relevam das condições ambientais e da qualidade de vida das populações. O impacto provocado pelas operações de maior relevo justificam a participação das populações no processo decisório, sendo assinalado pela doutrina que a participação dos cidadãos confere legitimidade às decisões da Administração, permite a consensualização de soluções e o controlo do uso de poderes discricionários[
[1]].
Referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[73]: «(...) A protecção jurídica do direito à saúde pública, do direito ao ambiente e à qualidade de vida e do direito ao património cultural e de outros direitos ou interesses através da participação no procedimento administrativo pode evitar o risco de estes serem colocados perante factos consumados pela demora do processo perante os tribunais.
A intervenção no procedimento administrativo permite aos cidadãos ou associações: (a) controlar a legalidade e oportunidade de medidas e decisões administrativas de forma imediata; (b) intervir colectivamente em procedimentos de defesa de interesses difusos extensivos a um grande número de cidadãos («procedimentos de massas»); (c) acompanhar o desenvolvimento e implementação de procedimentos administrativos complexos e gradativamente concretizáveis (procedimentos urbanísticos, planos de ordenamento do território, estudos de impacto ambiental)».
Também o artigo 65º da Lei Fundamental – inserido no capítulo sobre “Direitos e deveres sociais” e dedicado a “Habitação e urbanismo” – dispõe no nº 5[
[2]]: «É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território».
O legislador ordinário elegeu o princípio da participação como um dos princípios em que assenta a Lei de Bases da Política do Ordenamento do Território e de Urbanismo – Lei nº 48/98, de 11 de Agosto[
[3]].
Constitui elemento inovador do RJUE, tal como assinala FERNANDA PAULA OLIVEIRA[76], a circunstância de os processos relativos às operações urbanísticas promovidas pela Administração terem deixado de ser desconhecidos dos particulares interessados, que só deles tomavam conhecimento quando se iniciavam os trabalhos; com o RJUE, os projectos passaram a estar sujeitos a discussão pública e tornou-se obrigatória a sua publicitação.
O nº 5 do artigo 7º do RJUE, aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, impõe que as obras de urbanização promovidas, quer pelas autarquias e suas associações, quer pelo Estado, sejam submetidas a discussão pública nos termos estabelecidos para a elaboração dos planos municipais de ordenamento do território, com as necessárias adaptações, e com alteração da duração do período de discussão que, no caso das obras de urbanização promovidas pelo Estado será de 15 dias. É o seguinte o texto da norma do do D.L. 316/2007., para que se remete:
« Artigo 77.º Participação
1 — Ao longo da elaboração dos planos municipais de ordenamento do território, a câmara municipal deve facultar aos interessados todos os elementos relevantes para que estes possam conhecer o estádio dos trabalhos e a evolução da tramitação procedimental, bem como formular sugestões à autarquia e à comissão mista de coordenação.
2 — Na deliberação que determina a elaboração do plano é estabelecido um prazo, que não deve ser inferior a 15 dias, para a formulação de sugestões e para a apresentação de informações sobre quaisquer questões que possam ser consideradas no âmbito do respectivo procedimento de elaboração.
3 — Concluído o período de acompanhamento e, quando for o caso, decorrido o período adicional de concertação, a câmara municipal procede à abertura de um período de discussão pública, através de aviso a publicar no Diário da República e a divulgar através da comunicação social e da respectiva página da Internet, do qual consta a indicação do período de discussão, das eventuais sessões públicas a que haja lugar e dos locais onde se encontra disponível a proposta, o respectivo relatório ambiental, o parecer da comissão de acompanhamento ou da comissão de coordenação e desenvolvimento regional, os demais pareceres eventualmente emitidos, os resultados da concertação, bem como da forma como os interessados podem apresentar as suas reclamações, observações ou sugestões.
4 — O período de discussão pública deve ser anunciado com a antecedência mínima de 5 dias, e não pode ser inferior a 30 dias para o plano director municipal e a 22 dias para o plano de urbanização e para o plano de pormenor.
5 — A câmara municipal ponderará as reclamações, observações, sugestões e pedidos de esclarecimento apresentados pelos particulares, ficando obrigada a resposta fundamentada perante aqueles que invoquem, designadamente:
a) A desconformidade com outros instrumentos de gestão territorial eficazes;
b) A incompatibilidade com planos, programas e projectos que devessem ser ponderados em fase de elaboração;
c) A desconformidade com disposições legais e regulamentares aplicáveis;
d) A eventual lesão de direitos subjectivos.
6 — A resposta referida no número anterior será comunicada por escrito aos interessados, sem prejuízo do disposto no artigo 10.º, n.º 4, da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto.
7 — Sempre que necessário ou conveniente, a câmara municipal promove o esclarecimento directo dos interessados, quer através dos seus próprios técnicos, quer através do recurso a técnicos da administração directa ou indirecta do Estado e das Regiões Autónomas.
8 — Findo o período de discussão pública, a câmara municipal pondera e divulga, designadamente através da comunicação social e da respectiva página da Internet, os respectivos resultados e elabora a versão final da proposta para aprovação.
9 — São obrigatoriamente públicas todas as reuniões a câmara municipal e da assembleia municipal que respeitem à elaboração ou aprovação de qualquer categoria de instrumento de planeamento territorial.
Por seu turno, a Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, que aprova o regime de exercício do direito de participação popular em procedimentos administrativos e da acção popular visando, em especial, a protecção da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do consumo de bens e serviços, do património cultural e do domínio público, impõe a prévia audiência na preparação de planos ou em matéria de localização e de realização de obras e de investimentos públicos, nos seguintes termos[
[4])
«Artigo 4º
Dever de prévia audiência na preparação de planos ou na localização e realização de obras e investimentos públicos
1 – A adopção de planos de desenvolvimento das actividades da Administração Pública, de planos de urbanismo, de planos directores e de ordenamento do território e a decisão sobre a localização e a realização de obras públicas ou outros investimentos públicos com impacte relevante no ambiente ou nas condições económicas e sociais e da vida em geral das populações ou agregados populacionais de certa área do território nacional devem ser precedidos, na fase de instrução dos respectivos procedimentos, da audição dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses que possam vir a ser afectados por aqueles planos ou decisões.
2 – Para efeitos desta lei, considera-se equivalente aos planos a preparação de actividades coordenadas da Administração a desenvolver com vista à obtenção de resultados com impacte relevante.
3 – São consideradas como obras públicas ou investimentos públicos com impacte relevante para efeitos deste artigo os que se traduzam em custos superiores a um milhão de contos ou que, sendo de valor inferior, influenciem significativamente as condições de vida das populações de determinada área, quer sejam executados directamente por pessoas colectivas públicas quer por concessionários.»
Os preceitos seguintes[
[5]] dispõem sobre o procedimento a observar: anúncio público, consulta de documentos e de outros actos procedimentais, pedido de audição ou apresentação de observações escritas, audiência pública dos interessados, dever de ponderação e resposta, sendo estabelecida uma norma própria para o procedimento colectivo no caso de os interessados serem em número superior a vinte.
8.3. Resulta dos diversos normativos citados que as obras que estão em causa neste parecer exigiam, quer por se tratar de obras de urbanização promovidas pelo Estado, quer pelo impacte relevante conferido pelos custos que importavam (de montante superior ao mínimo estabelecido pelo artigo 4º da Lei nº 13/95), a observância dos procedimentos de discussão pública e de audiência dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses protegidos, em fase anterior às decisões de autorização. O projecto carecia, pois, de ser divulgado publicamente desenvolvendo-se, em seguida, as fases de audição, discussão, ponderação e resposta.
[1] JOSÉ MIGUEL SARDINHA, obra citada, evidencia como princípios a que deve obedecer o exercício do direito de participação no planeamento, os princípios da legalidade, da consensualidade e do controlo da discricionaridade
[2] Introduzido pela revisão constitucional de 1997.
[3] Os restantes são os princípios da sustentabilidade, da solidariedade intergeracional, da economia, da coordenação, da subsidiariedade, da equidade, da responsabilidade, da contratualização e da segurança jurídica.
FAUSTO DE QUADROS, (“Princípios fundamentais de Direito Constitucional e de Direito Administrativo em matéria de Direito do Urbanismo”, Direito do Urbanismo, INA, 1989, página 269 e seguintes) procede ao elenco e análise dos princípios fundamentais a observar em matéria do direito do urbanismo
[4] Sobre a matéria cfr. FERNANDO CONDESSO, Direito do Urbanismo, Quid Juris?, Lisboa, 1999, página 347 e seguintes
[5] O artigo 12º dispõe sobre o exercício da acção popular e, no que respeita à acção popular administrativa, prevê que a mesma compreenda a acção para defesa dos interesses atrás referidos e o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra actos administrativos lesivos dos mesmos interesses.