sexta-feira, março 07, 2008

O NASCIMENTO DE UMA CANDIDATURA

Humberto Delgado decide candidatar-se. Entretanto, o que está a acontecer no resto do Mundo? Consulta a TÁBUA CRONOLÓGICA.
Não é fácil determinar as verdadeiras razões que levam o General Humberto Delgado a candidatar-se.
Mesmo voluntarista e impulsivo, como Humberto Delgado reconhecidamente é, como se propõe ele candidatar-se, tendo de enfrentar um candidato oposicionista, Cunha Leal, que congrega os votos do Partido Comunista, os do centro e da direita moderada? Ou seja: de toda a oposição. E, ao mesmo tempo, da Situação, ferozmente contra ele?
O momento e as condições que se apresentam, nos contextos mais frequentemente encarados, conduzirão, forçosamente, a um inexpressivo numero de votos. Então o General candidata-se sem base de apoio? Sabemos que parvo não é...
O Marechal Costa Gomes, mais tarde dirá, em livro, que a candidatura nasce da sua não nomeação para Director do colégio da NATO, com a saborosa peripécia de que lhe faltou o voto de um almirante ao qual o General costumava puxar os cabelos das orelhas. Mas, com o devido respeito pelo Sr.Marechal, não estamos em face de tese demasido simplista?
A figura de pseudo candidato, que surge como meteoro e procura ver o nome no jornal, coaduna-se com o seu modo de ser? Escusado é dizermos que nem de longe....
Tão pouco o mero desejo de poder e visibilidade pública, comum à generalidade dos políticos, se ajusta ao caso. Se o desejo de poder dos políticos nem sempre terá limites, sem que se pretenda que tem aqui cabimento, quanto à visibilidade pública, quem não sabe que ele a possui com largueza?
A inteligência, espírito e modo de ser de Humberto Delgado não se compatibilizam com enquadramento em que a perspectiva de derrota apresenta mais do que uma probabilidade elevada. E parvo, repetimos, não é.
Sem pretendermos encontrar uma verdade definitiva, certamente não limitável a uma só vertente, tentemos alguns caminhos para uma resposta.
As posições de Craveiro Lopes e a sua oposição às políticas e ao poderio de Santos Costa; as movimentações entre o corpo militar a vários níveis; a idade de Salazar, a aproximar-se dos setenta anos, susceptível de se traduzir em desmoronamento incontrolável, capaz de criar receio de emergência do poder comunista que inclusivamente ultrapassa as fronteiras num período não distante de Guerra Fria entre os dois grandes blocos mundiais.
A aceitação da Constituição em vigor entende-se como opção de meios. Mas não constituirá factor a ter em conta?
Não devemos esquecer as ligações de Humberto Delgado à NATO e o seu relacionamento com os governos americano e britânico.
Tenhamos ainda em conta as suas afirmações sobre o Partido Comunista, de cuja existência parece duvidar, embora pareça saber das referências que os seus militantes ou apaniguados fazem à sua pessoa. Sobretudo das que surgem já depois do pacto de Cacilhas.
Estes vários aspectos, relacionados com a expectativa de levantamento militar, presente até à votação, sugerem-nos algo de organizado, possivelmente vasta dissidência no próprio sistema, encaminhada previsivelmente num sentido mais liberal e embrionariamente democrático.
Enigmático será o conteúdo da habitual "Nota do Dia" no Diário de Lisboa do mesmo dia 10 de Maio que, a propósito da conferência, recorda um filme em que um sargento americano enviado para uma localidade japonesa como conquistador e portador de uma civilização nova, acaba por ser conquistado pelos costumes amáveis e sorridentes de uma população que vivia feliz ...
Certo é que Humberto Delgado, qualquer que seja a interpretação, acaba por arrastar consigo toda a oposição ao regime salazarista, provoca um terramoto e, quer tenha tido ou não uma vitória numérica, consegue-a nos efeitos. Pela primeira vez o Estado Novo sente-se seriamente aturdido.
E não será arriscado afirmar que essa vitória é o começo da grande caminhada que, por entre muitos escolhos e violências, entre as quais da sua própria vida, levará ao 25 de Abril de 1974.

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