OS NOSSOS POLÍTICOS NÃO APRENDEM NADA!
A CONSTITUIÇÃO NÃO PODE SER O BODE EXPIATÓRIO DA INCOMPETÊNCIA!
Só mesmo no
nosso País!
O que se está a passar com a “leitura
interpretativa” do ACORDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL em que os “apoiantes
deste governo” descrevem a decisão como
tendo sido "radical" e que,
com o intuito de manterem credibilidade externa necessitam de culpas internas e á oposição que, consideram a ilegitimidade do governo e
apresentam o Tribunal Constitucional
como o último recurso de manter o regime democratica e o nosso Estado de
direito. Mas neste acórdão deve ser interpretado o que lá está escrito, não o
que uns e outros queiram fazer dele para esconderem as suas próprias
incapacidades e interesses. E quer o acórdão quer as declarações de voto são,
em grande medida, aquilo que nos tem faltado: uma conversa séria sobre o nosso
passado recente e sobre o nosso futuro próximo, e uma conversa em que, para
variar, quer os juízes cuja opinião venceu quer aqueles que sairam derrotados
nos tratam a nós e à nossa Constituição como de facto soberanos.
Aqui fica a
minha interpretação:
1.
Páginas 116
a 121, pontos 33 a 35: os juízes
do TC (todos, maioria e vencidos) acham que é perfeitamente legítimo ao
legislador tratar os funcionários públicos de forma diferente dos trabalhadores
do sector privado. Isso incluireduzir os seus salários. O legislador
democrático tem eventualmente outras opções, mas reduzir as remunerações de
quem é pago por verbas públicas não é, em si mesmo, uma arbitrariedade.
2.
Páginas 122
a 123, pontos 37 e 38: o TC acha
que, apesar de ser aceitável diferenciar trabalhadores do sector privado de
trabalhadores do sector público, e apesar de o princípio da igualdade exigir
mesmo que o que é desigual seja desigualmente tratado, é também preciso que o
tratamento diferenciado seja proporcionado, i.e. que não seja excessivamente
desigual.
3.
Páginas 127
a 129, ponto 41: a maioria
dos juízes do TC nota que o legislador já argumentou várias vezes, seja para o
OE 2011 seja para o OE 2012, que o corte de salários era a única maneira de, a
curto prazo, cumprir compromissos com instâncias internacionais. Mas à medida
que o tempo passa, essa invocação de excepcionalidade, feita agora novamente
para o OE2013, vai-se tornando cada vez menos válida. É cada vez mais
exigível ao legislador que encontre soluções alternativas ao tratamento
excessivamente diferenciado de diferentes categorias de trabalhadores,
nomeadamente tomando outras medidas de redução da despesa pública. Por
outras palavras, quando mais tempo passa, menos toleráveis se tornam possíveis
excessos de diferenciação entre diferentes categorias de trabalhadores.
4.
Páginas 129
a 139: a maioria dos juízes do TC acha
que a suspensão de pagamento de subsídio de férias ou equivalente e a redução
de compensação de trabalho extraordinário, subsídio doença e ajudas de custo, medidas
que se acrescentam às reduções de 3.5% a 10% para salários na função
pública acima de 1500 euros, à proibição de valorizações remuneratórias
decorrentes de promoções ou progressões, e à proibição de prémios de gestão a
gestores de empresas públicas (OE 2011 e 2012), assim como ao aumento
generalizado da carga fiscal a todos os trabalhadores (OE 2013), configuram, no
seu conjunto, um tratamento excessivamente desigual dos trabalhadores pagos
com verbas públicas.
Finalmente a declaração dos cinco
juízes que votaram vencidos também é interessante. Nela se defende que a
situação orçamental do País mudou consideravelmente em relação ao acórdão
anterior, que esta matéria sobre a qual o TC se está a pronunciar exige um
escrutínio menos intenso (dando mais latitude ao legislador) sobre
desigualdades de tratamento do que em matérias sobre as quais a Constituição explicitamente
proibe desigualdades de tratamento, e que, no seu juízo de
inconstitucionalidade, o TC se fundou em dados indemonstráveis (no ponto 3
acima) e se atribuiu uma competência que devia ser do legislador (ao fazer o
juízo do ponto 4 acima).
Contudo, é
preocupante que um governo - este ou qualquer outro - num Estado democrático,
perante uma decisão do Tribunal Constitucional, em linha com jurisprudência já
firmada, sacuda a água do capote e atribua a outros responsabilidades que só ao
governo cabem, como se o Orçamento tivesse sido elaborado no Palácio Ratton ou
como se a nossa Carta Magna fosse alinhavada nas reuniões da troika com o
ministro das Finanças. A encenação dramática feita pelo governo, no sábado,
correndo para Belém, e a declaração do primeiro-ministro, no Domingo à tarde,
atribuindo ao Tribunal Constitucional todos os males dos insucessos do governo,
revelam bem a incapacidade do governo reconhecer o falhanço das suas políticas
e de ter ignorado, com arrogância, por mais de uma vez, a Constituição da
República, numa tentativa de a alterar por “facto consumado”.
A
Constituição, interpretada de forma autêntica pelo Tribunal Constitucional, é
um pressuposto do exercício de funções governativas. Não pode nunca ser
apresentada como um obstáculo à governação, um entrave ao cumprimento de metas
ou um alibi para falhanços.
O Governo é
um órgão constituído, no sentido em que exerce as suas funções sob a autoridade
e no quadro delimitado pela Constituição. Se um concreto Governo não está
preparado ou não é capaz de governar com a atual Constituição, então pura e
simplesmente não pode ser Governo.
Fazer da
Constituição o bode expiatório, ou do Tribunal Constitucional o alvo não é
admissível numa democracia consolidada, em que cada órgão de soberania exerce
as suas funções com respeito pelo espaço próprio de intervenção dos demais. E
de nada vale invocar que há constitucionalistas com uma opinião diferente,
porque Tribunal Constitucional só há um e é a ele – e só a ele – que compete
proceder à fiscalização abstrata das leis. O Governo tem mais é que terfair-play democrático,
não pode amuar e vir para a televisão fazer queixinhas dos juízes.