A situação a que chegámos não foi uma situação do acaso. A
União Europeia financiou durante muitos anos Portugal para Portugal deixar de
produzir; não foi só nas pescas, não foi só na agricultura, foi também na
indústria, por ex. no têxtil. Nós fomos financiados para desmantelar o têxtil
porque a Alemanha queria (a Alemanha e os outros países como a Alemanha)
queriam que abríssemos os nossos mercados ao têxtil chinês basicamente porque
ao abrir os mercados ao têxtil chinês eles exportavam os teares que produziam,
para os chineses produzirem o têxtil que nós deixávamos de produzir.E portanto,
esta ideia de que em Portugal houve aqui um conjunto de pessoas que resolveram
viver dos subsídios e de não trabalhar e que viveram acima das suas
possibilidades é uma mentira inaceitável. Nós
orientámos os nossos investimentos públicos e privados em função das opções da
União Europeia: em função dos fundos comunitários, em função dos subsídios que
foram dados e em função do crédito que foi proporcionado. E portanto, houve um
comportamento racional dos agentes económicos em função de uma política
induzida pela União Europeia. Portanto não é aceitável agora dizer? podemos
todos concluir e acho que devemos concluir que errámos, agora eu não aceito que
esse erro seja um erro unilateral dos portugueses. Não, esse foi um erro do
conjunto da União Europeia e a União Europeia fez essa opção porque a União
Europeia entendeu que era altura de acabar com a sua própria indústria e ser
simplesmente uma praça financeira. E é isso que estamos a pagar! A ideia de que os portugueses são responsáveis pela crise,
porque andaram a viver acima das suas possibilidades, é um enorme embuste. Esta
mentira só é ultrapassada por uma outra. A de que não há alternativa à
austeridade, apresentada como um castigo justo, face a hábitos de consumo
exagerados. Colossais fraudes. Nem os portugueses merecem castigo, nem a
austeridade é inevitável.Quem viveu muito acima das suas possibilidades nas
últimas décadas foi a classe política e os muitos que se alimentaram da enorme
manjedoura que é o orçamento do estado. A administração central e local
enxameou-se de milhares de "boys", criaram-se institutos inúteis,
fundações fraudulentas e empresas municipais fantasma. A este regabofe
juntou-se uma epidemia fatal que é a corrupção. Os exemplos sucederam-se. A
Expo 98 transformou uma zona degradada numa nova cidade, gerou mais-valias
urbanísticas milionárias, mas no final deu prejuízo. Foi ainda o Euro 2004, e a
compra dos submarinos, com pagamento de luvas e corrupção provada, mas só na
Alemanha. E foram as vigarices de Isaltino Morais, que nunca mais é preso. A
que se juntam os casos de Duarte Lima, do BPN e do BPP, as parcerias
público-privadas 16 e mais um rol interminável de crimes que depauperaram o
erário público. Todos estes negócios e privilégios concedidos a um polvo que,
com os seus tentáculos, se alimenta do dinheiro do povo têm responsáveis
conhecidos. E têm como consequência os sacrifícios por que hoje passamos.Enquanto
isto, os portugueses têm vivido muito abaixo do nível médio do europeu, não
acima das suas possibilidades. Não devemos pois, enquanto povo, ter remorsos
pelo estado das contas públicas. Devemos antes exigir a eliminação dos
privilégios que nos arruínam. Há que renegociar as parcerias público--privadas,
rever os juros da dívida pública, extinguir organismos... Restaure-se um mínimo
de seriedade e poupar-se-ão milhões. Sem penalizar os cidadãos.Não é, assim,
culpando e castigando o povo pelos erros da sua classe política que se resolve
a crise. Resolve-se combatendo as suas causas, o regabofe e a corrupção. Esta
sim, é a única alternativa séria à austeridade a que nos querem condenar e ao
assalto fiscal que se anuncia."
Sem comentários:
Enviar um comentário