Manifesto recorda que nem a ditadura salazarista se atreveu a pôr em causa os feriados do 1º de Dezembro e do 5 de Outubro e afirmam que “Atacar os marcos simbólicos da memória e da cidadania é o primeiro passo para ofender os direitos que eles representam”.
Quarenta e dois historiadores divulgaram um manifesto que se opõeà recente proposta do governo de acabar com os feriados do 1º de Dezembro e do 5 de Outubro. “Aanunciada proposta de supressão atenta contra a memória e a simbologia cívica do Dia da Restauração, a 1 de Dezembro, e do dia da implantação da República, a 5 de Outubro. Os feriados nessas datas representam, há um século, a forma como a sociedade escolheu lembrar e homenagear acontecimentos que reputa de transcendente importância na História do país”, afirma o manifesto, que sublinha que “nem a ditadura salazarista se atreveu a pôr em causa esses feriados e, com eles, o significado que encerram”. Os historiadores recordam ainda que as celebrações cívicas do 5 de Outubro, durante a ditadura, nunca deixaram de sair à rua, “quantas vezes sob cargas policiais e violentas ações repressivas”, e consideram chocante que esta decisão seja tomada “no ano em que acabam de se encerrar na Assembleia da República as comemorações do centenário da implantação da República”. O manifesto argumenta ainda que a produtividade e a competitividade da economia nacional não dependem em nada de essencial do número dos feriados em vigor. “Países europeus ou fora da Europa com tantos ou mais feriados registam níveis de produtividade e competitividade muito superiores aos de Portugal, sendo que é precisamente nas economias mais competitivas e avançadas que se verifica um menor número médio de horas de trabalho”. Denunciam ainda que a supressão de feriados é “um ataque ao lazer dura e tardiamente conquistado pelos portugueses, na mesma linha de violência anti-social da proposta que visa impor meia hora de trabalho não pago” Os historiadores concluem com um apelo a que os cidadãos se oponham à supressão dos feriados. “Atacar os marcos simbólicos da memória e da cidadania é o primeiro passo para ofender os direitos que eles representam e protegem. Se se permitir que isto passe, que mais direitos, que memórias, que outros feriados cívicos cairão a seguir?”.
A seguir, o manifesto na íntegra:
Historiadores contra a supressão dos feriados
A recente proposta do Governo de acabar com quatro feriados (dois religiosos e dois civis: o feriado do “1º de Dezembro” e o do “ 5 de Outubro”) merece da parte dos historiadores que subscrevem este documento uma clara oposição.
Em primeiro lugar, porque assenta numa evidente demagogia: ao contrário do que o Governo, pela mão do seu Ministro da Economia, vem atabalhoadamente explicar ao país, a produtividade e a competitividade da economia nacional não dependem em nada de essencial do número dos feriados em vigor. Países europeus ou fora da Europa com tantos ou mais feriados registam níveis de produtividade e competitividade muito superiores aos de Portugal, sendo que é precisamente nas economias mais competitivas e avançadas que se verifica um menor número médio de horas de trabalho. As razões são obviamente outras e bem mais profundas, tal como são outras as razões para atacar os feriados, em especial os que, como o 1 de Dezembro e o 5 de Outubro, são depositários de um elevado valor simbólico para a comunidade.
Em segundo lugar, porque a supressão de feriados, baseada em tal falácia, é, na realidade, um ataque ao lazer dura e tardiamente conquistado pelos portugueses, na mesma linha de violência anti-social da proposta que visa impor meia hora de trabalho não pago. O Governo faz mesmo tábua rasa de tudo o que se sabe e é pacificamente aceite nos nossos dias sobre os lazeres como fonte de conhecimento e de retemperamento indispensáveis a um processo sustentado de desenvolvimento económico e social. No caso português, mais ainda, como sustentáculo do turismo interno e das múltiplas actividades e emprego dele dependentes.
Em terceiro lugar, porque a anunciada proposta de supressão atenta contra a memória e a simbologia cívica do Dia da Restauração, a 1 de Dezembro, e do dia da implantação da República, a 5 de Outubro. Os feriados nessas datas representam, há um século, a forma como a sociedade escolheu lembrar e homenagear acontecimentos que reputa de transcendente importância na História do país. Nem a ditadura salazarista se atreveu a pôr em causa esses feriados e, com eles, o significado que encerram. As celebrações cívicas do 5 de Outubro, durante a ditadura, nunca deixaram de sair à rua, quantas vezes sob cargas policiais e violentas acções repressivas. E não deixa de ser profundamente chocante que seja no ano em que acabam de se encerrar na Assembleia da República as comemorações do centenário da implantação da República – com largo impacto em todo o país – que o Governo se proponha suprimir o feriado do 5 de Outubro.
Pretende assim o Governo atropelar expeditamente o direito ao lazer dos portugueses e agredir a memória simbólica das datas da Restauração e da República que os respectivos feriados consagram. Apelamos a que os cidadãos deste país se oponham determinadamente a tal propósito. Atacar os marcos simbólicos da memória e da cidadania é o primeiro passo para ofender os direitos que eles representam e protegem. Se se permitir que isto passe, que mais direitos, que memórias, que outros feriados cívicos cairão a seguir?
Lista de Historiadores subscritores do texto:
Historiadores contra a Supressão dos Feriados
Assinam o manifesto académicos como Amadeu Carvalho Homem, professor catedrático da F. Letras da Universidade Coimbra, António Costa Pinto, Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, António Pedro Vicente, Professor catedrático aposentado da FCSH da Universidade Nova de Lisboa, António Reis, professor Aposentado da FCSH da UNL, Bernardo Vasconcelos e Sousa, professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, Fernando Catroga, professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Fernando Rosas, professor catedrático da FCSH da Universidade Nova de Lisboa, Helena Trindade Lopes, professora catedrática da FCSH da Universidade Nova de Lisboa, Joaquim Romero de Magalhães, professor catedrático da FE da Universidade Coimbra, José Medeiros Ferreira, professor aposentado da FCSH da Universidade Nova de Lisboa, Luís Reis Torgal, professor catedrático aposentado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Maria Manuela Tavares Ribeiro, professora catedrática da Faculdade de Letras da Universidade Coimbra, Raquel Henriques, presidente da Direçãoda Associação dos Professores de História e investigadora do Instituto de Historia Contemporânea (IHC) da FCSH da Universidade Nova de Lisboa.