OS 40 ANOS DO 25 DE ABRIL
DE 1974
Há que lembrar que
"quem fez o 25 de Abril foram exclusivamente os militares". "Não
foram os civis, nem os partidos políticos", os militares, que revelaram
"uma enorme tolerância". "Não quiseram o poder político, pelo
contrário, abriram a porta aos partidos políticos. Revelaram um desinteresse
extraordinário." (Mário Soares)
Portugal mudou muito com o 25 de Abril, mas
não mudou, nessa essência herdada de “décadas de ditadura medieval”, porque,
afinal, razão tem Eduardo Lourenço – “a nossa democracia é ainda ao cabo de 40
anos um espécie de regime sem nome”, acrescentando que a revolução de Abril
restitui-nos o gozo de “uma cidadania adulta”, onde “só o seu momento inaugural
permanece vivo” – “uma memória viva” e “realmente memorável”.
Este golpe militar
assumiu uma repercussão internacional pela forma não violenta como foram
conduzidas as operações militares e pela influência internacional que teve no
“dominó político” que pôs fim a alguns autoritarismos no mundo, a saber na
Grécia, em Espanha, na Rodésia e na África do Sul.
Consolidar a
democracia e aderir à Comunidade Europeia foram dois actos coerentes, e até
necessários. Já a adesão - ainda por
cima sem consulta popular - ao tratado
de Maastricht (1992), que criou o caminho para a União Económica e Monetária, e
para o Euro, foi um erro
“Portugal está
condenado a sentar-se de sapatos rotos e casaco remendado na mesa dos mais
ricos do mundo”- palavras de Gabriel Garcia Márquez citadas, numa
noticia do jornal «Público», recordando três reportagens do escritor sobre
Portugal, num tempo em que ainda mal começava a nascer a ideia de adesão à União
Europeia.
O escritor, nessas
suas reportagens, também definiu Lisboa, como sendo “a maior aldeia do mundo”
que, registou “nos restaurantes caros” os “mariscos são exibidos como jóias nas
montras, os burgueses em retrocesso desancam verbalmente os comunistas”, e “nos
restaurantes populares, os empregados perguntam se devem receber gorjeta”.
Um país que
salientava Gabriel Garcia Márquez nascia para um tempo depois de “décadas de
ditadura medieval”.
Leio estas palavras e
penso no meu país, hoje, de facto sentado à mesa dos ricos “de sapatos rotos e
casaco remendado”, onde os efeitos de “décadas de ditadura medieval” continuam
a marcar as vivências do nosso quotidiano.
Estou mergulhado
nestes pensamentos e dou comigo a ler, Viriato Soromenho Marques, que nos fala
na necessidade de “refundar abril” e “cortar o novo nó górdio”, afinal esse,
que Gabriel Garcia Marquez, antecipou e visionou nas suas reportagens, de
estarmos de sapatos rotos e casaco remendado” à mesa dos ricos, essa mesa que
bem sublinha Viriato Soromenho Marques, continua a ignorar que – “o federalismo
tem que começar pela política e não pela moeda”.
“O que temos hoje é
um mercado comum e uma moeda única que funcionam como máquinas de terror
económico e social sobre milhões de mulheres e homens desprovidos de poder
efectivo” – escreve Viriato Soromenho Marques, na sua crónica no JL,
acrescentando que – Portugal deixou de ser um império colonial para se
transformar numa colónia da burocracia de Bruxelas, ao serviço do capital
financeiro, e da hegemonia defensiva de Berlim”.
“A divida é hoje a
camisa-de-forças que esmaga os povos, destrói os estados, e aterroriza os
cidadãos. E a procissão vai no adro.” – salienta Viriato Soromenho Marques.
Conclui no seu artigo
– “ou fazemos um federalismo europeu para cidadãos europeus iguais. Ou, então,
teremos de reclamar a soberania que nos foi usurpada”. O tal nó górdio a
cortar.
O problema, esse é o
problema real, é que, por muito que nos custe, este nó górdio é o nosso sistema
– todos sabem isso.
Tenho muitas dúvidas,
mesmo
muitas dúvidas, que este sistema pretenda deixar de ser aquilo que é,
espelho desta nossa realidade herdada de “décadas de ditadura medieval”, que
emerge quotidianamente nas vivências das cidades “aldeias” com ar cosmopolita,
com uma cultura enraizada nesse «modus vivendi» da nossa «cultura politica»,
que bem traduziu Gabriel Garcia Marquez, gere a sua acção para que possa
continuar, serenamente, a – “sentar-se de sapatos rotos e casaco remendado na
mesa dos mais ricos do mundo”.
É, por isso, só por isso, penso eu, que é na
mudança dessa nossa raíz de “cultura politica” herdada de “décadas de ditadura
medieval”, que reside a possibilidade de mudança, o que será muito difícil,
mesmo muito difícil – basta recuar aos textos de Eça de Queirós e percebemos –
porque a nossa realidade politica, afinal, ficou bem expressa, na premonição de
Gabriel Garcia Marquez, quando visitou Portugal é de um país que – “está
condenado a sentar-se de sapatos rotos e casaco remendado na mesa dos mais
ricos do mundo”.
Pode ser que futuras
gerações, um dia, revisitem aquele momento mítico do dia 25 de Abril e
acreditem que Portugal pode ser um pais soberano e livre. Pode ser... é
preciso dar continuidade e rasgar caminhos para construir o novo ciclo aberto
com o 25 de Abril, aqui, nesta “ocidental praia lusitana”!