A Coreia do Norte, o último Estado estalinista do mundo, prepara-se para comemorar, no dia 16 de Fevereiro, o sexagésimo aniversário do “Querido Líder”, Kim Jong-Il. O povo vai ser chamado a celebrar o evento, como é de praxe neste tipo de regimes, mas tem poucas razões para o fazer. Vive num país devastado pela fome e pelo isolamento, do exterior mas também das próprias famílias, separadas pela divisão da península coreana em dois, em 1948.
Kim Jong-Il está à frente dos destinos da Coreia do Norte desde 1994, ano em que morreu o seu pai, Kim Il-Sung. Este havia governado a Coreia do Norte desde a sua criação, em 1948, e deixou como herança uma governação assente no culto da personalidade, uma economia anacrónica (a mais centralizada do mundo) e uma população a morrer à fome.
O nascimento da Coreia do Norte ocorre sob o signo da Guerra Fria. Depois do final da Segunda Guerra Mundial e da ocupação japonesa da península, a Coreia é dividida em duas zonas, ao longo do paralelo 38. O Norte torna-se comunista e o Sul fica na esfera de influência dos Estados Unidos. A independência ocorre três anos depois. Os anos que se seguiram foram marcados por reformas económicas e sociais do novo poder comunista, que causaram uma forte emigração para o Sul da península.
A luta pelo ascendente na região por parte das potências estrangeiras conduz, em 1950, à guerra entre as duas coreias (o Sul, apoiado pelos EUA, e o Norte, pela China), que dura até 1953 e onde morreram dois milhões de pessoas.
O isolamento da Coreia do Norte começa nos 50. Com o progressivo afastamento entre Pyongyang e Moscovo, Kim Il-Sung põe em prática a doutrina “Juche”, que consiste na procura da auto-suficiência do país.
A Coreia do Norte conheceu ainda um período de crescimento económico durante os anos 60, devido ao forte investimento na indústria. Desde então, e em particular a partir dos anos 70, o país revelou uma incrível incapacidade de se adaptar aos novos tempos. Advogando ainda hoje a velha doutrina “Juche” e canalizando a maioria dos recursos para a indústria militar, a Coreia do Norte continua a reger-se pelos antigos manuais da economia planificada, avessa à iniciativa privada e ao investimento estrangeiro.
O resultado está nas estatísticas do Programa Alimentar das Nações Unidas (PAM), que lançou há dois meses mais um pedido de emergência à comunidade internacional para acudir aos oito milhões de norte-coreanos que sofrem de subnutrição e sem acesso aos mais básicos cuidados de saúde.
Nos últimos dez anos, calcula-se que mais de dois milhões de pessoas tenham morrido na Coreia do Norte por falta de alimentos. Estes números assombrosos não constam, no entanto, dos noticiários da Coreia do Norte, que pouco mais dão a conhecer do que a agenda diária do “Querido Líder”.
A sucessão de Kim Il-Sung ainda fez alguns preverem o colapso do regime, cujo sustentáculo é o culto da personalidade do líder. O regime ainda terá tremido, aquando da deserção do ideólogo da nação, Hwang Jang Yop, em 1997. Mas Kim Jong-Il acabaria por consolidar a sua posição no poder em Pyongyang, promovendo os seus potenciais inimigos, os militares.
Há oito anos à frente da Coreia do Norte, o “Querido Líder” protagonizou, em 2000, um feito histórico, ao reunir-se com o Presidente da Coreia do Sul, Kim Dae-Jung, o que acontecia pela primeira desde há mais de 50 anos. Num gesto de boa vontade, Kim Jong-Il permitiu que cem pessoas do Norte se encontrassem com familiares da Coreia do Sul, separados há mais de cinquenta anos.
Apesar de estarem num impasse desde há um ano, as conversações para a reaproximação entre as duas coreias parece ser o único legado que Kim Jong-Il parece em condições de deixar. Quanto ao resto, está à frente de um regime que já expirou o prazo e que vai apodrecendo a pouco e pouco. A trágica dúvida é saber quantas vidas mais se perderão até ao ocaso do regime.