“Podemos vender o nosso tempo, mas não podemos
comprá-lo de volta.” (Fernando Pessoa)
Temos que ter essa noção do tempo, e um dia, quando
tudo isto passar, porque há-de seguramente passar, dificilmente haverá símbolo
visível mais marcante da pandemia de covid-19 que vivemos do que as máscaras de
protecção social, que se tornaram parte integrante das nossas vidas de um dia
para o outro, e em todo o planeta. “Não vamos voltar à antiga normalidade
nos próximos tempos. Repito: não vamos voltar à antiga normalidade nos próximos
tempos”.( Tedros Adhanom, director-geral da Organização Mundial de Saúde)
A História não é feita para julgar, mas sim para
aprofundar e compreender. É essa a boa norma no que diz respeito ao
conhecimento do passado. E é nesse sentido que essas máscaras serão a
arqueologia deste período. Nada simboliza melhor este tempo que vivemos que
aqueles pedaços de pano que nos cobrem o rosto quando saímos de casa. Mas a
máscara vai ficar também como símbolo dos debates, dúvidas e contradições que
se viveram nestes tempos (quem já esqueceu a discussão sobre se se devia ou não
usar, que chegou a envolver a Organização Mundial de Saúde?).
Como nos ensinou nos seus sermões o padre António
Vieira, tem de se combinar com o tempo e que “não há poder maior no mundo
que o do tempo: tudo sujeita, tudo muda, tudo acaba …… “A razão natural de toda
esta diferença é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhe os
defeitos, enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as
mesmas.”
Na realidade e no geral ainda nem percebemos bem
o que é que perdemos. É certo que alguns perderam a paciência para estar em
casa, outros perderam quase a sanidade mental com a gestão do teletrabalho, da
telescola dos filhos e mais um mar de “telechatices” por resolver, outros
perderam a conta ao número de pessoas que viram morrer, muitos perderam os
abraços e os afectos das pessoas de quem mais gostam, demasiados perderam o
emprego, muitos perderam o tecto e perderam a capacidade de dar de comer à sua
família, enquanto outros perderam as vidas sozinhos nos hospitais, longe dos
seus, directos para baixo da terra sem a devida homenagem às suas memórias.
O Tempo passa rápido mas deixa as suas marcas para que nós possamos relembrar
alguns momentos de nossas vidas que não voltam mais. Como disse Buda:” “Não
viva no passado, não sonhe com o futuro, concentre a mente no momento presente.”
São momentos em que temos consciência em que o
tempo, tal como o conhecemos, passa velozmente sem parar. Queremos que ele pare! Talvez não seja bem
uma paragem, mas sim a suspensão do tempo que corre…e termos tempo para mudar dentro
do que recebemos. Entre o pause e o play, o filme das nossas vidas mudou. O
luto do que ficou para trás existirá sempre nas nossas memórias como parte de
nós, mas só há uma forma de ultrapassar: aceitar o que perdemos e olhar para o
que ainda temos. Já vimos lutos em todas as partes do mundo. Não há fórmulas
mágicas, mas fomo-nos apercebendo que
tão importante como valorizar a vida é aceitar a morte. É um desafio por vezes
quase perturbador em que nos perdemos aos rodopios em filosofias entre duas premissas
que parecem ser contraditórias, mas que precisamos que sejam complementares:
valorizar a vida e aceitar a morte. Valorizar o que temos e aceitar o que
perdemos. “Deixa partir o que não te pertence mais, deixa seguir o que não
poderá voltar, deixa morrer o que a vida já despediu...O que foi já não
serve... é passado, e o futuro ainda está do outro lado, e o presente é o
presente que o tempo quer te entregar.” (padre Fábio de Melo)