terça-feira, julho 21, 2020

“Podemos vender o nosso tempo, mas não podemos comprá-lo de volta.” (Fernando Pessoa)


Podemos vender o nosso tempo, mas não podemos comprá-lo de volta.” (Fernando Pessoa)

Temos que ter essa noção do tempo, e um dia, quando tudo isto passar, porque há-de seguramente passar, dificilmente haverá símbolo visível mais marcante da pandemia de covid-19 que vivemos do que as máscaras de protecção social, que se tornaram parte integrante das nossas vidas de um dia para o outro, e em todo o planeta. “Não vamos voltar à antiga normalidade nos próximos tempos. Repito: não vamos voltar à antiga normalidade nos próximos tempos”.( Tedros Adhanom, director-geral da Organização Mundial de Saúde)
A História não é feita para julgar, mas sim para aprofundar e compreender. É essa a boa norma no que diz respeito ao conhecimento do passado. E é nesse sentido que essas máscaras serão a arqueologia deste período. Nada simboliza melhor este tempo que vivemos que aqueles pedaços de pano que nos cobrem o rosto quando saímos de casa. Mas a máscara vai ficar também como símbolo dos debates, dúvidas e contradições que se viveram nestes tempos (quem já esqueceu a discussão sobre se se devia ou não usar, que chegou a envolver a Organização Mundial de Saúde?).
Como nos ensinou nos seus sermões o padre António Vieira, tem de se combinar com o tempo e que “não há poder maior no mundo que o do tempo: tudo sujeita, tudo muda, tudo acaba …… “A razão natural de toda esta diferença é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas.”
Na realidade e no geral ainda nem percebemos bem o que é que perdemos. É certo que alguns perderam a paciência para estar em casa, outros perderam quase a sanidade mental com a gestão do teletrabalho, da telescola dos filhos e mais um mar de “telechatices” por resolver, outros perderam a conta ao número de pessoas que viram morrer, muitos perderam os abraços e os afectos das pessoas de quem mais gostam, demasiados perderam o emprego, muitos perderam o tecto e perderam a capacidade de dar de comer à sua família, enquanto outros perderam as vidas sozinhos nos hospitais, longe dos seus, directos para baixo da terra sem a devida homenagem às suas memórias. O Tempo passa rápido mas deixa as  suas marcas para que nós possamos relembrar alguns momentos de nossas vidas que não voltam mais. Como disse Buda:” Não viva no passado, não sonhe com o futuro, concentre a mente no momento presente.”
São momentos em que temos consciência em que o tempo, tal como o conhecemos, passa velozmente sem parar.  Queremos que ele pare! Talvez não seja bem uma paragem, mas sim a suspensão do tempo que corre…e termos tempo para mudar dentro do que recebemos. Entre o pause e o play, o filme das nossas vidas mudou. O luto do que ficou para trás existirá sempre nas nossas memórias como parte de nós, mas só há uma forma de ultrapassar: aceitar o que perdemos e olhar para o que ainda temos. Já vimos lutos em todas as partes do mundo. Não há fórmulas mágicas, mas  fomo-nos apercebendo que tão importante como valorizar a vida é aceitar a morte. É um desafio por vezes quase perturbador em que nos perdemos aos rodopios em filosofias entre duas premissas que parecem ser contraditórias, mas que precisamos que sejam complementares: valorizar a vida e aceitar a morte. Valorizar o que temos e aceitar o que perdemos. “Deixa partir o que não te pertence mais, deixa seguir o que não poderá voltar, deixa morrer o que a vida já despediu...O que foi já não serve... é passado, e o futuro ainda está do outro lado, e o presente é o presente que o tempo quer te entregar.” (padre Fábio de Melo)