quinta-feira, maio 09, 2024

Indemnizar, sim, os antigos combatentes

Indemnizar, sim, os antigos combatentes Nos últimos dias temos assistido a um animado debate sobre o tema trazido para a praça pública pelo Presidente da República, que, disse ele “ pretende seja feita uma reparação histórica do nosso passado colonial.” É uma ideia peregrina, inoportuna e de sentido errado, já que, se alguma reparação deve ser assegurada, em primeiro lugar, é aos cerca de um milhão e meio de jovens, e todos aqueles que cá ficaram especialmente as mulheres, que o antigo regime até ao 25 de abril de 1974 obrigou, na cultura de uma mentira e de um regime antidemocrático, a rumar a África para aí deixar o melhor da sua juventude e, em muitos casos, a própria vida. As razões do ostracismo a que foram votados os antigos combatentes radicam, para além de outras, cuja análise aqui não cabe, numa má consciência do poder político – dos sucessivos governos, sem com excepção do úlimo (entre 2016-2024) – e também do poder militar pós-25 de Abril, que nunca souberam ou quiseram assumir quaisquer responsabilidades para com os familiares dos mais de dez mil soldados mortos nas três frentes de batalha (Guiné, Angola e Moçambique). Da mesma forma que nenhumas medidas sérias e eficazes tomaram para fazer face às graves dificuldades dos mais de vinte mil soldados que regressaram inválidos e aos muitos mais que ainda hoje sofrem diariamente os pesadelos de uma guerra que viveram há mais de 50 anos. Se o actual poder político, com o Presidente da República na primeira linha de combate, entende que alguma reparação deve ser feita às ex-colónias, manda a mais elementar justiça que essa reparação comece pelos então jovens soldados mandados para a guerra e hoje homens acabados, vergados pelas agruras da vida, já a dois passos da cova. Foram eles as primeiras e as principais vítimas da política colonial do regime salazarista, que viram subitamente interrompidas as suas carreiras académicas, os seus projectos profissionais ou os seus sonhos de constituição de família. A forma atabalhoada e inoportuna como foi trazido para a praça pública tão controverso assunto – a não ser que a intenção fosse, num maquiavélico rasgo político, a de criar condições para reforçar os laços de cooperação económica com os vários países que integram a CPLP, representados ao mais alto nível nas comemorações do 25 de Abril – justifica todas as pertinentes críticas de que a generalidade dos meios de comunicação não fizeram eco. Também nós estamos perplexos com as prioridades eleitas pelo Presidente da República, sobretudo na fase particularmente difícil que Portugal e a Europa atravessam. A criação de novos factos políticos a cada dia que passa não nos deixa esquecer a forma incompreensível como geriu o seu envolvimento no chamado “caso das gémeas”, nem as peripécias que envolveram a mais recente dissolução da Assembleia da República. “À medida que acumulam poder, as burocracias se tornam imunes aos próprios erros. Em vez de mudar sua história para se adequar à realidade, elas são capazes de mudar a realidade para adequá-la a suas histórias.”(Yuval Noah Harari) Cumpri serviço militar obrigatório durante três anos e meio em Santarém , Póvoa do Varzim, Alcabideche e Santa Margarida. Fui enviado para Cabinda, no meio da floresta do Mayombe, onde estive mais de dois anos. Quero acrescentar que gostava de saber (por não encontrar literatura sobre o assunto, quer literária, quer estatística) quantos mortos por suicídio (por quebra das ligações amorosas ou conjugais, por exemplo.), quantos por acidente (por mina, real e não qualquer outra categoria que dava jeito nos comunicados do regime), quantos divórcios e separações? Qualquer estudo sobre os impactos e consequências no tecido social da época. Mas que houve muitos de cada, lá isso houve. Mas é só a percepção de um velho sobrevivente. Por isso, senhor Presidente da República: “Indemnizar, sim, os antigos combatentes”. Nunca se esqueça que “as verdades podem ser nuas - mas as mentiras precisam estar vestidas.”(Textos Judaicos) “Dedicatória, Darei ao povo o meu poema/Eu lhe darei a flor e a pedra/cada minuto cada tristeza/uma azagaia contra a dura sorte/a minha raiva acesa em cada noite./Eu lhe darei a flor e a pedra./E a minha vida. E a minha morte.” (Manuel Alegre.)

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