segunda-feira, setembro 14, 2020

 Somos responsáveis por aquilo que fazemos, o que não fazemos e o que impedimos de fazer.”(Albert Camus)

 
Vivemos momentos nestes tempos que não são os nossos , e que a incerteza é o novo normal, essa mesma incerteza que nos leva a focar-nos no aqui e agora e que apela, ao silêncio e ao saber escutar. O que é mais curioso que muitos falam no “vírus silencioso”. Mas o vírus teima em ficar, como que a lembrar-nos que o importante são as pessoas. No geral somos repetitivos por natureza, não gostamos de mudar os nossos hábitos e, talvez por isso a nossa grande resistência a qualquer mudança, sendo que a mudança nunca é dolorosa, pois apenas a nossa resistência à mudança é dolorosa. Como disse o papa Francisco: “É preciso perder o espírito de resistência à mudança. Para mudar o mundo, é preciso fazer bem a quem não tem possibilidades de retribuir.”

 A este propósito com a chamada “pandemia da covid19” veio ao de cima “o problema dos velhos nos lares”, mas não sejamos hipócritas a pandemia apenas destapou uma realidade escondida há muito tempo, sendo que se não fosse a cegueira do mundo, talvez os que, no presente não são velhos tivessem tempo para pensar que um dia chegará a sua vez em qualquer “casa do empacotamento”. A pandemia confina, fecha, mas pode abrir os olhos. É certo que os olhos só vêem o que querem, mas se olharem e virem no presente o futuro aprenderão muito. A cegueira é a arma dos donos destes tempos muito agitados. Outros tempo virão. O que mais tem o tempo é tempo; os velhos, não. Os velhos não são “os que têm mais idade” mas os que têm “idade a mais”. Como disse Julian Barnes: Quando somos jovens, inventamos diferentes futuros para nós mesmos; quando somos velhos, inventamos diferentes passados para os outros.”

 É neste contexto, e está na “moda” potenciado pela “imprensa que temos” onde a “tentação” é apontar o dedo aos governantes, às autoridades de saúde, aos municípios, às administrações dos próprios lares e à segurança social por todas as situações, desde as mortes até às das más condições que se vive nos lares. Claro que todos eles têm aqui colossais responsabilidades, no entanto parece-nos inexplicável que , esta tragédia não tenha inspirado reflexões nem criticas a todos aqueles que consideramos os responsáveis por estas situações: os familiares que depositam  e abandonam os velhos nos lares, como no passado o faziam nos “asilos”! Porque  nunca se questiona a responsabilidade moral de quem pôs os velhos nos lares nem se aponta o egoísmo das famílias como causa principal dessas tragédias?

 É evidente que haverá sempre situações em que o recurso a lares será a única ou a melhor solução para muitos casos. Mas não são esses que estão em causa, até porque não representam a maioria. A maioria dos velhos vão para lares porque os familiares não estão disponíveis para sacrificar minimamente o seu estilo de vida, desculpando-se com a distância ou com os afazeres profissionais para justificar o alheamento de situações que também deveriam ser do seu conhecimento e a sociedade passou a considerar esta solução como moralmente aceitável.    Hoje os mais velhos estão mais sozinhos do que nunca nos lares que os acolhem. Precisamos, pois, de políticas mais consistentes para a terceira idade, de instituições mais confortáveis para os utentes, de profissionais mais habilitados para cuidar dos mais velhos e de uma família que olhe para os idosos como um bem precioso que deve merecer todos os cuidados, relembrando o que foi dito por Søren Kierkegaard: “A vida só pode ser compreendida, olhando-se para trás; mas só pode ser vivida, olhando-se para frente.”

Sempre temi os últimos anos de vida, no sentido que lhe foi dado por Augusto Cury, “não tenha medo da vida, tenha medo de não vivê-la”, talvez porque esta “modernidade líquida suspensa” na juventude despreza os mais velhos, porque os filhos há muito deixaram de ter disponibilidade para cuidar dos pais, porque as instituições sociais vocacionadas para amparar a terceira idade mais parecem deteriorados sótãos para onde se atiram velharias que raramente revisitamos. Como escreveu no seu livro , “ANOS”, Annie Ernaux, faz-nos relembrar que por vezes, não construímos sequer  uma recordação de um «nós», num relato sobre o que fica quando o tempo passa: “Tudo se apagará num segundo [...] Nem eu nem mim. A língua continuará a pôr o mundo em palavras. Nas conversas à volta de uma mesa em dia de festa seremos apenas um nome, cada vez mais sem rosto, até desaparecermos na multidão anónima de uma geração distante.”

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