COMO FUI PARAR Á TROPA?
DE
SANTARÉM A SANTA MARGARIDA
(14
de Julho de 1969 a 16 Julho de 1970)
“Muitas
das circunstâncias da vida são criadas por três escolhas básicas: as
disciplinas que você decide manter, as pessoas com quem você decide estar; e,
as leis que você decide obedecer.” (Charles Millhuff)
No dia 21 de Junho de 1968 fui às
“sortes” - No início do século XX começou a era do serviço militar obrigatório
que viria a prolongar-se por cerca de um século. Os rapazes tinham que “ir às
sortes” logo que completassem os 18 anos de idade. “Ir às sortes” como se dizia
na época, era ser chamado para a inspecção militar. Boa sorte se ficasse livre,
má sorte se fosse apurado.
Era a tropa! Dizia-se que era lá que
os rapazes se faziam homens!
Ir às “sortes” representava
ultrapassar a fase de rapazola para homem feito e pronto para a vida, pronto
até para ir para a guerra.
A vida era interrompida por dois, três
e até quatro anos, e nesse período os rapazes eram confrontados com
experiências que iam desde longas deslocações para os quartéis em terras
distantes, viagens para o Ultramar, participação na guerra colonial, ou o que lhe calhasse em sorte.
Assim, no dia marcado na Junta de
Freguesia de Almeirim lá fui “tirar as sortes”, perante a chamada “junta de recrutamento”,
tendo ficado “apurado para todo o serviço”, não com 18 anos, mas já com 20
anos, pois nessa altura andava a estudar no Instituto Comercial de Lisboa,
acabava de fazer o 1º ano. A partir desse dia, nunca mais liguei a esse facto –
andava a estudar, tinha aproveitamento escolar, logo tinha era que tirar o
curso – licenciatura em Ciências Económicas e Financeiras, e depois logo se
via, quando ia cumprir o serviço militar – puro engano!
Por razões que nunca foram bem
explicadas, nem por mim compreendidas, na semana em que um acontecimento que
empolgou milhões de pessoas, em todo o Mundo , dia 16 de Julho de 1969 , foi
transmitido pela televisão a chegada do Homem à Lua – hoje tal facto levanta
dúvidas quanto à sua veracidade – encontrava-me a estudar em Lisboa no
Instituto Comercial de Lisboa, (2ºano) em plena época de exames, após ter
concluído as respectivas frequências do 2º semestre, e fui convocado para
cumprir o serviço militar obrigatório. (Só
bastantes anos depois tive uma explicação para este acontecimento, não esperado
dado a tradição escolar que então vigorava. De facto, nessa altura integrava a
Associação Académica, na secção desportiva e, talvez por isso,
devido
crise estudantil de 1969 que provocou a demissão do ministro da Educação, a
mudança de reitor e o envio dos “estudantes mal comportados” para a guerra
colonial- na verdade estive e estava a “milhas” da intervenção politica
estudantil, muito acesa naquela altura). Isto é
porque pertencia à Associação de Estudantes logo era “considerado um estudante
mal comportado!” Sempre pensei que as lutas estudantis eram motivadas, naquela
época, principalmente, por um “gozo imenso” de “desobedecer à autoridade de
então”…mas afinal parece que não era bem assim.
Assim no dia 12 de Julho (sábado) de
1969 fui passar o fim de semana a casa dos meus pais. Ao chegar, e apear-me “da carreira da
Ribatejana”, tinha à espera o meu irmão,
com um postal na mão, a convocar-me para me apresentar no quartel militar de
Santarém, na segunda –feira ( 14 de Julho), tendo sido recrutado para
frequentar o CSM “ 1º ciclo do curso de sargentos milicianos” – surpreendido,
pois nunca mais tinha pensado nisso, já que que estudava, julgava estava dispensado até acabar o curso, desde
que tivesse aproveitamento, (era o que eu pensava) lá me apresentei nessa
segunda-feira, acompanhado pelo meu pai – que fez questão de ir pois nessa
altura muitos jovens “desapareciam” (nunca tal me passou pela cabeça) - onde
fui encontrar outros amigos, alguns que já não via há algum tempo, nomeadamente
os dois ou três que jogaram comigo nas camadas jovens dos “Leões de Santarém”.
Na verdade ainda meio “zonzo” por não saber bem o que estava ali a fazer!
Ali, encontrei mais alguns na mesma
situação, tendo sido informado que, “bastava no fim dessa semana apresentar as
novas “habilitações literárias” e passaria para o COM (Curso de Oficiais
Milicianos), só que esse era em Mafra! Aí, pensei que entre Santarém, onde estava
mais ou menos em casa, pois conhecia e era conhecido por muita gente, para além
de ter sido jogador de futebol, estudei e vivi em Santarém 6 anos, e ir para
Mafra, onde não sabia o que ia encontrar, optei por “deixar passar as coisas”,
depois logo se via, já que no fim deste período de instrução militar poderia
então apresentar as habilitações literárias.
E, por ali fiquei até finais de
Setembro recordando os episódios desses tempos pouco ou nada resta, a não ser a
“pressão psicológica” exercida diariamente, talvez necessária para enquadrar os
“espíritos comportamentais dos jovens” e
“ a exigência do trabalho físico até aos limites”, na verdade tudo
passei porque tinha apenas em mente um objectivo que sempre me acompanhou
durante todo o tempo em que cumpri o serviço militar – retomar os estudos e
concluir a licenciatura em ciências económicas e financeiras.
Mas, posso “rememorizar” alguma
situações comuns a todos que nessa altura tinham que cumprir, esta primeira
fase do serviço militar obrigatório na Escola Prática de Cavalaria em Santarém,
começando e dado tratar-se de um “curso de CSM considerado excepcional” fomos
colocados no antigo aquartelamento conhecido com “Regimento Artilharia 6”, que
nessa altura já não funcionava em Santarém e assim as instalações serviço de
“anexo” à Escola Prática de Cavalaria. Também me lembro das idas para a “zona
das Caneiras” – não para comer fataça na Telha – mas para exercícios militares,
desde andar “por dentro de manilhas”, “salto no escuro” etc.
Relembro ainda aquela “nocturna” e se
bem me lembro estava muito frio e chuva ,
podem imaginar o quanto devemos ter sofrido; também sem qualquer bússola para
ajudar-nos na orientação até ao quartel, o que só dificultava as coisas. No
entanto, como só possuíamos um mapa, e dois ou três éramos conhecedores do
terreno, lá fomos pondo em prática o lema "safem-se como puder"- e
assim, estivemos quase toda a noite, escondidos numa adega no Pombalinho, onde
nos foi dado de comer “chouriça assada e pão caseiro” , até que decidimos o regresso
ao quartel, em Santarém, que foi cansativo, molhado e frio mas serviu para nos
habituar a situações futuras da mesma ordem.
Até que, numa dada manhã nos finais de
Setembro, reunidos na parada militar, na conclusão dessa fase de “instrução
militar”, foi feita a “distribuição de cada um” pelas mais diversas
especialidades militares, tendo me “calhado” a continuação no CSM – curso de
sargentos milicianos na “na especialidade de alimentação” na companhia de
administração militar na Póvoa de Varzim! Ora isso para mim ficava muito longe,
e eu tinha intenção de voltar para Lisboa.
E, assim dirige-me à secretaria para
“comunicar a minha intenção de passar para o COM (curso de oficiais
milicianos)” que , de acordo com o que eu pensava, se situava na então “ Escola
de Administração Militar” em Lisboa. E, lá fui. Ao entrar e apresentar-me de
acordo com os “tramites militares” o “idoso capitão” que estava por detrás da
secretária olhou para mim e nem sequer me deixou “falar” – “oh rapaz vá lá dar
uma volta à parada para limpares essas ideias e depois volta cá!”.
E, eu lá voltei para trás, mentalmente
“vocirando qualquer coisa não inteligível nos nossos dias”, mas acima de tudo
com aquela duvida – como é que ele sobe o que eu iria dizer? – até hoje nunca
tive resposta. E eu lá fui dar a tal volta “à parada” – o que é que eu ando
aqui a fazer? – e nestes pensamentos encontro um amigo de longa data, hoje já
falecido, que me diz – “eh pá sabes que a malta que vai passar para
o COM, vai ali para a Escola Prática formar um Batalhão que vai para a Guiné!”
Naquela altura “imagine-se que jovens que, com vinte anos, iam para a guerra e, ou eram
mortos, ou tinham de matar”…. E a Guiné representava o pior dos piores
cenários possíveis! Pois …mas a minha intenção era ir para a especialidade de
administração militar (COM-reabastecimentos) e para Lisboa!!!
E, acabei a minha volta à parada,
dirigi-me à secretaria, cumpri as exigências de apresentação militar e informei
que estava ali para levantar a “minha
guia de marcha para ir para a Povoa de Varzim” …. Na verdade nunca cheguei
a saber para onde ia se tivesse pedido a alteração das minhas habilitações
literárias. E, em 26 de Setembro de
1969, de comboio, lá fui até à Povoa de Varzim, onde cheguei à noite, cumprindo
a “minha formação na especialidade de alimentação no CSM”, até 5 de Janeiro de
1970, período de tempo que ”nada de especial ficou ma minha memória a não ser “
a interrupção da semana de campo devido
ao frio”
Assim em 5 de Janeiro de 1970 fui colocado, após terminar esta fase e
promovido a “cabo miliciano”, na
Companhia de Artilharia de Costa, em Oeiras, indo para a secção de Alcabideche,
ali mesmo junto à serra de Sintra. (Neste aquartelamento de Oeiras, cumpriram
serviço militar o meu avô, materno, e o meu pai).
Assim, “achei que foi o destino que me
pôs no mesmo local”, que o meu avô e o meu pai. Estava perto de Lisboa, levava
uma “vida santa”, num pequeno aquartelamento, com muita pouca gente, e lá fui
passando o tempo.
Até que um “belo dia” do mês de Julho
de 1970, após o almoço, sou interpelando pelo capitão comandante daquele
“aquartelamento” que, muito raramente lá ia, mais ou menos assim – “Oh Bento o que é que estás aqui a fazer?”–
E, quando eu começava a responder, mais ou menos o que se fazia ali, ele
emendou e reafirmou – “Não é isso que eu
quero dizer, com as tuas habilitações estás errado aqui! Tenho que comunicar ao
Comando!” Estou lixado! Vou ter repetir a especialidade e vou, de certeza
bater com os “ditos cujos” na Guiné! “ Porra p´ra isto” – devo ter dito ou
pensado tudo isto nesta altura!!!
Para combater o “stresse” desta
situação, disse a um militar (soldado condutor) para ir buscar um jeep, e irmos
até Cascais, fazer “uma ronda de policia de unidade”. Posemos o respectivo
braçal de PU e lá fomos, nessa tarde, até à estação de Cascais!
Estávamos nós nesse “divertimento” de
ver passar o pessoal que ia e vinha de comboio, quando de repente surge o meu
amigo Ramiro, que tinha estado comigo na Póvoa de Varzim. Conversa puxa
conversa, lá me disse que estava de “férias antes de embarcar para Angola” e de
repente – Oh Bento mas tu também estás mobilizado! Estás aqui…já está
considerado como refractário! Isto é, não me tinha apresentado na minha unidade
mobilizadora para o Ultramar. Mas, como me podia ter apresentado se nada sabia?
De qualquer modo era uma oportunidade para me “tentar safar à queixa que de
certeza o capitão ia apresentar”!!!!
Naquelas alturas muitos portugueses em
idade militar não fizeram a guerra, sendo forma escolhida por muitos a falta à
inspecção (faltosos), que chegou a atingir 20 por cento do contingente. Esta
alternativa implicava ou a saída do País ou a clandestinidade. Alguns
preferiram a deserção (fuga ao serviço depois da incorporação), embora, de
facto, este número nunca fosse significativo, e outros ainda, por várias
circunstâncias, acabaram por não ser incluídos nas listas de mobilizados,
portanto certamente eu estaria incluído numa dessas situações.
Mas na realidade nada disto tinha acontecido
comigo! (a minha salvação foi um clip!!!) pois eu já havia sido “ transferido
para o Regimento de Infantaria 2”, em Abrantes, desde 5 de Janeiro de 1970, só que, ainda hoje não sei –
nem sequer tentei saber – porque fui para a Oeiras (Alcabideche), e durante
todos aqueles meses, ninguém deu pela “minha falta em Abrantes”!. Mas, passo a
contar o resto da história: Fui imediatamente para Oeiras (quartel militar)
dirige-me à secretaria geral – onde um capitão idoso me atendeu – e me começou
por dizer “isso é brincadeira do teu camara! Mas, oh meu capitão, é melhor dar uma vista de olhos
a esse monte de papeis! E ele muito a contragosto lá foi passando os papeis…
até que, por detrás dum outro papel e preso por um clip, lá estava a minha
mobilização para o Ultramar (Angola)!! A
partir do Regimento de Infantaria 2, em Abrantes.
“Não há qualquer problema” – diz o
capitão. Vou passar a guia de marcha para Abrantes (Regimento de Infantaria –
unidade mobilizadora), e amanha de manhazinha um jeep vai lá levar-te. E assim
foi. Cheguei antes de almoço a Abrantes, almocei e depois do almoço
apresentei-me na secretaria. Aí fui informado que o meu Batalhão há muito já
havia partido para Santa Margarida e só porque “houve um atraso no embarque
ainda lá estão!”
Na verdade eu cheguei mais tarde a
Santa Margarida! No dia 16 de Julho de 1970, por obra do acaso - talvez me
tenha safado da Guiné, pela segunda vez e de repetir a especialidade – pensava
eu! E, assim foi …esta história do COM acompanhou sempre durante todo o serviço
militar, até mesmo despois de ter cumprido esse período, já em 1973 recebi um
postal do Regimento de Abrantes, para me deslocar lá “para assunto do meu
interesse” – nunca cheguei a saber, pois nunca lá fui!
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